Você sabe com quem está falando?

quarta-feira, 05 agosto 2015, 19:55 | Tags: , , , , | 2 comentários
Postado por Fábio Betti 

silhueta_blog_drVocê costuma parar de vez em quando para se visitar e pensar sobre suas crenças e comportamentos? Pode ser meio doído no começo, mas, acredite, com o tempo essa prática acaba se transformando em algo libertador.

Sou bisneto de italianos por parte de mãe, o que me permitiu conquistar a cidadania italiana para mim e para meus filhos sem falar uma palavra em italiano – só palavrões! – e nunca ter pisado na Itália, e neto de espanhóis por parte de pai. O que há de comum nos dois lados é que eram todos imigrantes muito pobres – os italianos – ou miseráveis – os espanhóis -, o que me fez cultivar uma certa vergonha de minhas origens durante um bom tempo. Hoje, pelo contrário, tenho o maior orgulho de meu avô que trabalhou de garçom, minha avó de empregada doméstica e de minha bisa costureira.

Fui um adolescente tímido e solitário, que tratava a depressão lendo, escrevendo, lendo, escrevendo… O jornalismo, portanto, foi salvação e não vocação.
Passei boa parte de minha infância torcendo para o Corinthians, até que meu pai me levou a um jogo do São Paulo contra sei lá quem. Saí de lá rouco de tanto gritar gol e entoando o hino do tricolor. Mais tarde, usei a mesma tática com meus filhos. E funcionou.

Errei de carreira muitas vezes, mas só descobri isso depois de um bom tempo que estava dando certo. Aliás,já nem me lembro mais a última vez que parei para pensar em meu propósito de vida, questão complexa demais para investir meu tão precioso e tão escasso tempo. Mas reflito bastante sobre o sentido no fazer o que faço. Faz sentido? Continuo a fazer. Não faz sentido? Invento uma maneira de mudar.

Leio muitos livros simultaneamente, mas não consigo ler um livro inteiro há anos. Invariavelmente, me aborreço em algum momento entre o primeiro e o último capítulo.

Fiz meu próprio diagnóstico de TDAH, mas nunca havia contado isso a ninguém com medo de me obrigarem a tomar Ritalina e acabar “amansado”. Sim, gosto do turbilhão de atividades que realizo, mesmo que muitas delas não cheguem ao fim – aliás, o que é o fim? Igualmente, gosto de fazer nada, mas nada mesmo, nem ler livro, ouvir música ou conversar. Nada para mim é o que aprendi com meu sogro, já falecido, que ficava na varanda de nossa casa de campo por horas a fio observando a chuva cair, as flores desabrocharem e os netos crescerem. Outro dia, sentei nessa mesma cadeira e fiquei horas acompanhando a lua cheia despontar no horizonte e subir até bem alto. Foi lindo.

Defendo a descriminalização do aborto e não apenas para os casos de estupro, má formação do feto ou risco de vida para a mãe. Mesmo reconhecendo que já existe vida ali, defendo simplesmente porque conheço várias pessoas que fizeram aborto e não gostaria que elas fossem presas nem tivessem corrido o risco de vida que correram ao se submeterem a um aborto clandestino.

Defendo a descriminalização das drogas, mesmo suspeitando que o número de viciados vá aumentar muito. Pelo menos, assim, os doentes – sim, vício é doença – não serão tratados como criminosos e nem serão obrigados a fazer negócio com criminosos. E acho graça quando vejo quem é contra fazendo seu discurso entre um gole e outro de sua bebidinha.

Não faço oposição indiscriminada a nenhum partido ou governo, o que me deixa, muitas vezes, isolado e, até, execrado pelas pessoas que acreditam que o caminho certo é tomar partido. Tanto é que deixo todo o mundo louco, por exemplo, ora elogiando ora criticando o governo do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o que, para mim, é absolutamente sensato, na medida em que ele não faz nem só coisas boas nem só coisas ruins. Para mim, acredito de verdade que viver é aceitar-se como uma metamorfose ambulante, transformando-se num presente contínuo mutante.

Sou contra a diminuição da maioridade penal, porque acredito que colocar o menor infrator – assassino, estuprador, o que for – na cadeia, com o sistema carcerário que possuímos, só vai produzir um maior ainda mais infrator e perigoso.

Não sou contra os programas sociais do governo petista. Só discordo – muito – de eles serem usados como instrumento de compra de votos. Programas de cotas e distribuição de dinheiro deveriam ter prazo de validade, mas para isso haveria a necessidade de se construir uma visão de longo prazo para o desenvolvimento, coisa que não vejo acontecer desde que existo.

Não acho certo justificar crimes com frases do tipo “sempre foi assim”, “os outros também cometeram” ou “os fins justificam os meios”. Para mim, crime é crime, e aquele que nunca cometeu um crime que atire a primeira pedra! Eu, por exemplo, cometo vários. Já consumi DVDs piratas e, ainda hoje, costumo pilotar minha moto acima dos limites de velocidade e, se der brecha, faço ultrapassagens usando o corredor de ônibus. Quem sabe um dia apreendam minha moto e eu definitivamente abra mão do espírito “selvagem-da-motocicleta”. Por outro lado, só mesmo quem usa da moto como veículo no dia a dia para saber o quanto somos discriminados. Para pedestres, calçadas e faixas. Para ciclista, ciclovias. Para motociclistas, os corredores entre os carros. Ah! E na hora de estacionar, então! O espaço reservado às vagas públicas é ridículo e a maioria dos estacionamentos não aceita motos.

Me arrependo na grande maioria das vezes que resolvo comentar nas redes sociais assuntos que não domino. E isso normalmente acontece segundos depois de apertar o “enter” ou quando alguém se sente “provocado” por algo que escrevi. Aliás, faço muitas coisas para ser aceito, admirado, valorizado, reconhecido, amado. Mas o que eu gosto mesmo de fazer e parece estar fortemente conectado ao meu propósito é provocar reflexões que tirem as pessoas de sua zona de conforto, esse lugar para onde a gente vai achando que está se preservando, mas que acaba descobrindo que está mesmo é se matando com medo dessa p… de vida que nenhum de nós é capaz de controlar ou, minimamente, entender. E, ao fazer isso, tenho consciência de que corro o risco de abrir mão de ser aceito, admirado, valorizado, reconhecido, amado. E, mesmo assim, faço.

Têm muitas coisas que não tolero, mas penso muitas e muitas vezes antes de expressá-las, com medo de eu também me tornar um intolerante. Aliás, mantenho certa distância das pessoas que expressam sua intolerância pelo que quer que seja, porque se eu me aproximar demais sinto que vão acabar descobrindo certas coisas sobre mim que não toleram, o que me fará entrar para a lista negra delas. Prefiro muito mais conviver com gente esquisita como eu, ou seja, gente que não tem uma velha opinião formada sobre tudo ou, se tem, que fica super à vontade de trocá-la por qualquer outra que pareça fazer mais sentido a cada momento.

Pronto. Agora da próxima vez que você falar comigo, saberá um pouco mais com quem está falando.

2 comentários para “Você sabe com quem está falando?”

  • Luan Calixta disse:

    Boa noite sr. Fabio, parabéns pela serenidade. Não acredito no certo ou errado, acredito que cada um deve tomar sua decisão e está preparado para se responsabilizar por elas. As vezes por motivos éticos (ou medo de ser mal entendido) não expressamos aquilo que de fato nos caberia. Me identifico com quem pensa diferente da maioria, pago por pensar e agir assim, que não muda em nada a minha vida. Pois penso no aqui e agora e se perguntarem se sou feliz, digo nesse momento, pra mim o que importa é o trajeto e não o objetivo.
    Um pouco de mim, Luan Calixta,
    Administrador, estudante de MBA

  • Daniele disse:

    Nossa Fabio, que engraçado, li o texto todo esperando aquele momento em que eu iria descordar de algum ponto de vista seu, mas no fim das contas me identifiquei com cada pensamento….muito legal, principalmente pelo fato de nos colocar a refletir de novo, e mais uma vez sobre como somos falhos e mutaveis! Boa sorte na caminhada….pra todos nós!

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