Quando o esforço não compensa

sábado, 29 agosto 2020, 20:41 | | Comentários desativados em Quando o esforço não compensa
Postado por Fábio Betti 

Aprendemos desde muito cedo que, para conseguirmos ser alguém na vida, é necessário muito esforço. “No pain, no gain”, dizem os americanos. E passamos a vida nos esforçando para alcançar o que desejamos. Muitas vezes, o esforço é compensado por conquistas importantes, como o diploma universitário, um bom emprego, a casa própria. No entanto – sempre tem um porém, né? -, nem todos que se esforçam conseguem obter o que desejam. E esforço demais pode ser sinal de que estamos lutando contra a corrente da vida.

Se você conseguiu se formar numa boa universidade, tem um emprego legal e moradia própria, qualquer um consegue, né? Afinal, você veio de uma família muito simples, batalhou muito e o natural era que isso acontecesse, certo? Errado! Bill Gates, um sujeito que conseguiu montar um império do nada, segue trabalhando mais do que a maioria das pessoas que conheço, só que agora tentando resolver os grandes problemas do mundo por meio da fundação que dirige com a esposa,  e que lê, em média, 50 livros por ano, pode falar com bastante propriedade sobre meritocraia. E o que ele diz é que o lugar que você nasce é o maior divisor de águas de qualquer história pessoal de sucesso ou fracasso. E o gênero também. O que significa que se você nasceu mulher numa favela terá muito menos chances de prosperar do que eu que nasci homem num bairro de classe média. Mesmo que na largada tenhamos saído com condições semelhantes. E se incluirmos a cor escura da pele, essa desvantagem provavelmente será ainda mais ampliada.

Eu adicionaria também o fator sorte. De repente aquela aposta que você faz entre infinitas possibilidades forma a equação mágica que soma a pessoa certa, o momento certo e o lugar certo. Eu não tenho dúvida de que o fato de ter nascido onde nasci, do meu gênero, da cor da minha pele e da sorte que tive em algumas apostas resultaram numa vida de mais posses do que a de milhões de outras pessoas que nasceram em lugares muito menos favorecidos e acabaram tendo menos sorte em suas apostas. Não me iludo que é o esforço que nos diferencia. Vejo muita gente desempregada ou ralando em dois ou três empregos para sobreviver a duras penas que se esforça tanto ou, na maior parte das vezes, muito mais do que eu.

Isso não significa que todos nós, a despeito de qualquer condição, deveríamos simplesmente esperar sentados que as coisas acontecessem. O humano não seguiria existindo se nossos ancestrais mais primitivos não tivessem dado um duro danado para obter seu alimento caçando todo tipo de animal e se deslocando de um lugar para outro em seu incansável trabalho de coletores. E todas as variações humanas que se seguiram aos hominídeos só foram capazes de transmitir seus genes até chegar a nós, os Homo Sapiens, na base de muito esforço.

Sendo nós, como seres humanos, pertencentes ao mundo natural, há leis, porém, que vão na contramão do esforço. A natureza gosta muito mais de otimização do que maximização de recursos. É isso o que determina a LME ou Lei do Mínimo Esforço.  Segundo ela, todo corpo em desequilíbrio tende a entrar em equilíbrio a partir de um deslocamento mínimo possível. Ela se baseia no fato de que a inteligência da natureza funciona com tranquila facilidade e sem nenhuma ansiedade. Este é o princípio da mínima ação e da não resistência.

Esta também é descrita como a 4ª lei espiritual do sucesso pelo médico indiano, escritor e professor Deepak Chopra. “Se você observar a natureza – explica Deepak -, verá que ela dispende o mínimo de esforço em seu funcionamento. A grama não se esforça para crescer, apenas cresce. O peixe não tenta nadar, apenas nada. As flores não se esforçam para abrir, simplesmente desabrocham. Os pássaros não tentam voar, apenas voam. Essa é a sua natureza intrínseca. A Terra não se esforça para girar sobre o seu eixo.” E eu acrescento que nem eu, nem você estamos nos esforçando nesse momento para respirar. Nosso coração está batendo naturalmente sem que façamos qualquer esforço. Se precisarmos nos esforçar, é sinal de que algo não está funcionando bem.

Na reabilitação de minha voz depois de uma cirurgia de tireóide, o grande indicador se estou ou não no caminho certo é o grau de esforço. Se perceber que estou me esforçando muito para falar, preciso parar, respirar, me concentrar e modular minha voz de modo a que ela saia, mesmo que quase inaudível, com o mínimo de esforço. Caso contrário, estarei prejudicando minha recuperação.

Você já ficou lutando contra um livro que não conseguia terminar de jeito algum? Eu já. Várias vezes. Na verdade, por muitos anos. Embora eu ame ler, teve um período na minha vida em que fiquei bem confuso com o que de fato era minha vocação. E aí eu me ocupava com muitos interesses distintos, alguém me indicava um livro e eu saía correndo para comprá-lo. E a leitura simplesmente não fluía. Mas como ele havia sido indicado por alguém que eu respeitava e, como eu já tinha iniciado a leitura, colocava na cabeça que deveria ir até o fim. Às vezes, até conseguia chegar lá, mas a custo de muito esforço. E, quando chegava, não era prazer o que sentia, mas alívio. Até que minha irmã me presenteou a assinatura de um clube de livros. Passei a receber em minha casa uma obra diferente por mês. Depois de uns quatro meses acumulando livros, resolvi finalmente me arriscar com o de capa mais atraente e o devorei num fim de semana! Li mais de 300 páginas sem qualquer esforço.

Durante a quarentena, encarei outra luta ainda mais feroz. Fui obrigado a extrair um molar com a raiz fraturada. O danado resistiu quase uma hora, até que resolvi meditar imaginando que ele era uma folha seca que se desprendia da árvore. Como que, por milagre, bastou fechar os olhos e visualizar essa imagem e ele finalmente partiu.

A LME não é uma lei da natureza por acaso. Ela vale para exercícios fonoaudiológicos, livros, dentes condenados assim como para relacionamentos, cursos, profissões, hobbies e tudo o que você conseguir imaginar. A regra é clara: se você está se esforçando demais, grande chance de estar no caminho errado.

As pessoas que vivem uma vida onde a abundância é mais presente do que a escassez parecem ter uma habilidade especial para identificar a direção da corrente e, mesmo quando o plano original determinava seguir pelo caminho contrário, normalmente se entregam ao fluxo, na confiança de que a natureza é muito mais sábia para fazer planos do que qualquer um de nós.

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