Diz o ditado que o peixe morre pela boca, ou seja, melhor ficar com a boca fechada do que falar besteira e se prejudicar. Adoro citações de personalidades e ditados. Gosto de colecioná-los. Mergulho neles sempre que quero entender um pouco mais a alma humana, reconhecendo que usamos frases de outras pessoas e ditados populares numa tentativa de explicar as coerências da vida, selecionados entre infinitas possiblidades, de acordo com nossos próprios gostos e preferências.
O serviço atrasou? Sabe como é que é, a pressa é a inimiga da perfeição. Está se sentindo sozinho e mal-amado? Antes só que mal acompanhado. Ganhou de presente algo que não gostou? Cavalo dado não se olha os dentes. Foi obrigado a acordar muito cedo para realizar alguma atividade? Deus ajuda a quem cedo madruga. Está com preguiça de explicar seu ponto de vista? Para bom entendedor, meia palavra basta. Alguém lhe passou a perna? Quem ri por último ri melhor.
Por experiência própria, não existe melhor forma de esconder nossas próprias crenças e vontades do que citando alguém ou repetindo um velho ditado. Também pode ser uma manobra rasteira para finalizar uma discussão. Já vi gente soltando um “quem fala o que quer ouve o que não quer”, para em seguida sair de cena ostentando um olhar de vitória, provavelmente pelo uso “providencial” da sabedoria popular. Afinal, a voz do povo é a voz de Deus.
Se há uma coisa que me irrita profundamente são as generalizações e sua capacidade de resolver questões complexas e dinâmicas com soluções reducionistas e estáticas, algo no qual ditados e citações aleatórias são campeões.
Como seres vivos, somos dinâmicos, não estáticos. Não podemos ser definidos pelo que fomos ou pelo que podemos ser, mas tão somente pelo que estamos sendo a cada momento. Assim mesmo, no gerúndio. Por mais que, em algumas construções gramaticais, a forma verbal fique realmente sofrível, o gerúndio está na essência de nosso viver. A vida é, de fato, um estar sendo e “des-sendo” contínuo. Ao congelar algo ou alguém numa definição estática – e é isso basicamente o que fazem as generalizações -, temos nosso campo de conversa limitado a premissas do passado ou a expectativas de futuro, mas não ao presente, único tempo onde a vida se realiza.
Todo ser vivo certamente manifesta comportamentos padrão que podem ser generalizados para efeito de simplificação. Acabo de fazer isso. Todos fazemos. Precisamos economizar energia, diz a mãe natureza. Algo que nosso cérebro sabe muito bem, tanto é que encaixamos experiências presentes em caminhos neuronais desenvolvidos a partir de experiências passadas. Trata-se de um processo natural, biológico. No entanto, esses caminhos, que nos permitem aprender com as experiências que nos acontecem, precisam ser atualizados de vez em quando, sob risco de nos emburrecermos. E uma das formas mais eficazes para que essa atualização ocorra se dá por meio da relação com o outro.
Quando o outro fala ou faz algo que produz algum tipo de estranhamento em nós, pode ser um sinal de que estamos diante de uma oportunidade para atualização do nosso sistema de cognição, a forma como selecionamos, decodificamos e atribuímos significado ao que nos acontece, ou seja, como aprendemos.
Olha a Lua, que linda!
Não é a Lua, é o holofote!
Ah, me enganei.
Ei, fulano!
Não é fulano, é siclano.
Ah, me enganei.
Nos enganamos com uma frequência inimaginável. Não é um defeito de fábrica, simplesmente é assim que funcionamos. Sem saber ao certo se uma dada experiência vivida como verdade será validada ou não por outra experiência no futuro.
Para não correr o risco de usar ditados e citações aleatórias e, assim, evitar o caminho simples, rápido e errado de resolver essa equação, é necessário fechar a boca e abrir os ouvidos, duas atividades não muito fáceis de realizar na medida em que nossa cultura valoriza muito mais o falar do que o ouvir. Pessoas que se comportam como exímias oradoras parecem ser mais bem reconhecidas do que as que se mostram ouvintes habilidosas. Ou, pelo menos, era assim.
Sinto que estamos no início de uma nova revolução. Uma revolução que começa justamente ao nos darmos conta de que usamos “dados científicos” e fontes de informação “seguras” apenas para justificar o que pensamos. Uma revolução que segue quando, ao ganhar consciência sobre essa manobra, também abrimos mão da necessidade de aceitação, reconhecimento e validação pelo outro e podemos finalmente declarar o que gostamos e o que não gostamos usando nossa própria voz, assumindo nossas próprios gostos e preferências abertamente.
Para um ser que se realiza na relação, viver sem a confirmação do outro parece uma estupidez sem tamanho. Só que viver na dependência dessa confirmação externa é ainda mais estúpido, na medida em que a coloca acima de nossa própria confirmação. O resultado é que o que o outro pensa sobre mim se torna mais importante sobre o que eu mesmo penso sobre mim. Percebe agora o quão doentio pode ser essa dependência?
Escuta. O que te falo não é simples. Não é baseado nos livros. Não perca tempo em procurar citações ou ditados que expliquem. Escuta. O que te falo vem da própria experiência do viver. Do meu viver. Do seu viver. Do viver humano. Qualquer um que deseje, pode chegar às mesmas conclusões. Observando a si mesmo.
Escuta. Uma boa escuta começa por escutar a si mesmo. Ouvir além do que sabe sobre você. Ouvir além do que você espera ouvir. Acolher o que emergir, sem crítica ou julgamento, como parte da experiência do que você é, ou melhor, do você está sendo e “des-sendo” a cada instante que você para para se escutar e percebe sempre algo diferente, um novo aspecto que ainda não havia notado sobre você.
Por outro lado, quando você se escuta com a expectativa do que quer ou deveria ouvir, percebe na própria pele o poder devastador de um julgamento mal feito, uma palavra mal colocada, um ditado bonitinho mas ordinário, que venha a colocar abaixo a beleza das múltiplas vozes que se expressam quando você cala a boca e deixa tudo o mais em você falar sem medo de estar sendo o que é.