Algumas palavras traem seu gênero. Como efêmero que, contrariando os dicionários, tem alma feminina. Efêmero é tão grávido de significados que jamais o chamaria de adjetivo masculino. É mulher, múltipla, criativa, total, fugaz. Fugaz que, aliás, é seu sinônimo. E por que feminino? Porque é uma palavra que descreve a vida como nenhuma outra. A vida é efémera, mais do que tudo. E vida não se discute gênero: é palavra feminina, nos dicionários e em todo os outros lugares.
Virgínia Woolf escreveu que tudo é efêmero como o arco-íris. Metáfora perfeita, na medida em que é difícil não se encantar quando vemos aquele misterioso pincel multicolorido rasgando o céu. Tão lindo que fantasiamos que leva a um pote de ouro. Um arco-íris pode percorrer o céu todo ou parcialmente. Pode até ser duplo e durar de alguns minutos a um instante. Quando menos esperamos, ele se desfaz, como uma pintura fresca que se borra e se desmancha, deixando sua imagem apenas gravada em nossa tela mental.
O arco-íris mais belo ainda sim será efêmero porque passageiro e, sabendo que irá se desmanchar a qualquer momento, somos capazes de parar tudo o que estamos fazendo só para admirá-lo enquanto ele permanecer entre nós. Como o nascer da Lua e o por do Sol. A diferença é que esses dois espetáculos são um pouco mais previsíveis. Têm hora exata para acontecer. Mesmo assim, podemos arrumar o lugar perfeito de observação, nos preparar com comes e bebes para presenciar seu show no horizonte e, na hora combinada, nuvens indiscretas podem aparecer aniquilando nossos planos.
Expectativas não se cumprem apenas diante de espetáculos da natureza. Sempre que esperamos que algo aconteça, estamos usando alguma experiência do passado como garantia. Isso equivale a dizer basicamente que recorremos a algo efêmero que já se foi como evidência de que algo efêmero irá se realizar. Pode ser que o arco-íris realmente apareça ainda mais belo. Ou que a Lua nasça no local e hora combinados sem qualquer nuvem indiscreta. Mas, dado que tudo pode acontecer, eu não perderia meu tempo criando expectativas para depois se frustrar com o desejo não realizado. O que não quer dizer que não deveríamos nos preparar para o que desejamos, só que ainda precisamos aprender a fazer isso de um lugar de desapego. Se aconteceu o que esperávamos, ótimo, comemore! Se não aconteceu o que esperávamos, paciência, quem sabe da próxima vez?
E se pensarmos na noção do tempo da vida neste planeta, reconhecendo que o primeiro ser que surgiu há mais ou menos 4,5 bilhões de anos foi a própria Terra, tudo, absolutamente tudo que se passa na natureza é efêmero. Tudo o que somos capazes de ver, arcos-íris rasgando os céus, luas nascendo, sóis se pondo, assim como tudo o que não vemos é quase que infinitamente efêmero. O mesmo vale para o humano. Aceitando que os primeiros hominídeos, nossos ancestrais mais antigos, surgiram há mais de 4 milhões de anos, a vida de todos os seres humanos que conhecemos e todos os que nunca ouvimos falar é igualmente efêmera. Se imaginarmos uma expectativa de vida de 80 anos, a passagem de cada um de nós por essa história representa ínfimos 0,00002%. Certamente, é muito menos do que os arco-íris, nascimentos da Lua e pores do Sol.
Em mais uma prova de que efêmero tem alma feminina, a palavra também é usada para descrever a flor que desabrocha e murcha no mesmo dia. E, mesmo que o dicionário não diga, mais do que tudo efêmero costuma ser coisa rara, o que lhe confere ainda mais valor; mais valor até – dentro de um conceito cultural de duração do tempo – do que as coisas duráveis, posto que o que perdura temos hipoteticamente mais tempo para desfrutar.
O que há de mais raro neste nosso viver do que a própria vida? Infinitamente bela, insuportavelmente efêmera, dizia Rubem Alves. Vida humana que é gerada quando as energias masculina e feminina se encontram e se fundem no momento da fecundação. E que é gestada quando o feminino acolhe essa vida dentro de si, num ato menos efêmero que o da fecundação, mas igualmente raro, belo, profundo e que revela um lindo pote de ouro para os que conseguem ver com os olhos da alma, que se deslumbram sempre diante dos mistérios da vida e que sabem, como intuiu Cecília Meireles, que tudo o que é efêmero se desfaz. E fica tu, que é eterno.