Parece que construímos uma sociedade que nos pressiona o tempo todo para criarmos e cultivarmos sonhos impossíveis. Seja para consumirmos mais. Seja para nos apegarmos a uma promessa de felicidade futura que nos ajude a suportar um presente que não satisfaz nem nossas necessidades nem nossos desejos. Como escreveu Cervantes, o sonho é o alivio das misérias dos que as têm acordados. À primeira vista, pode realmente funcionar como um anestésico forte o suficiente para passarmos pelas vicissitudes da vida sem nos desesperarmos diante de uma realidade que às vezes parece tão dura e hostil. Só que a longo prazo esse caminho se torna insustentável. Simplesmente porque mais cedo ou mais tarde acabamos por descobrir o óbvio: sonhos impossíveis são impossíveis de ser realizados. E quando essa ficha cai, o sofrimento é muito maior do que o necessário, porque, além de ter que lidar com uma vida que pode não corresponder às nossas expectativas, vem acompanhado da frustração de não encontrar o tão esperado pote de ouro.
O pote de ouro está logo ali, não desista!
Onde? Onde? Não vejo. Qual será o meu problema?
Escuto tanta gente dizendo que o pote de ouro está lá. Tanta gente, cheia de orgulho, dizendo que realizou sonhos grandiosos, que o problema só pode ser eu mesmo. Eu que não tenho fé o suficiente. Eu que não me esforço o suficiente. Eu que sou um azarado. Eu que não sei sonhar grande.
Se você pode sonhar, você pode fazer, dizia Walt Disney. Agora é que me dei conta de que o pai do Mickey morreu no mesmo ano em que nasci, 1966. Não sei se ele sonhava em ter uma vida longeva, mas um câncer de pulmão o levou aos 65 anos, 5 anos a menos do que a expectativa de vida norte-americana à época.
Viver para sempre é o sonho impossível do tipo óbvio. E mesmo assim tem muita gente que acredita nele. Vive como se nunca fosse morrer. E quando morre alguém próximo, a morte segue sendo um tema que não povoa suas reflexões. Com o outro, foi azar, injustiça ou, resignado, diz que, sabe como é, são coisas da vida. A morte é uma coisa que acontece com a vida do outro. Com a gente, é como se vivêssemos para sempre.
Abrir mão do glamour de um sonho grandioso não é fácil. Levá-lo a cabo, no entanto, pode ser algo doloroso e, a depender do tamanho do sonho, inútil. Gastar energia para realizar o impossível também não parece uma estratégia inteligente. Sofreríamos menos se desde cedo aprendêssemos a sonhar sonhos possíveis. Começando por sonhar nossos próprios sonhos. Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta, dizia Jung. Ao invés de projetar como sonho o que alguém alcançou na linha do “se ele consegue eu também consigo”, nos perguntarmos qual seria o próximo passo possível a dar em nossa jornada evolutiva, que é pessoal, única, intransferível, incopiável.
Raph Wando Emerson, que é mais conhecido pela frase “o que você é fala tão alto que não consigo ouvir o que você está dizendo.”, lembra que as ideias têm de funcionar pelos cérebros e braços de homens, senão não serão mais do que sonhos.
Menos o que eu quero e mais o que eu posso. É assim que funciona no mundo natural. O mundo natural não dá grandes saltos. Isto é uma invenção humana baseada na noção de tempo, outra narrativa que nós também inventamos. O mundo natural dá passos. A natureza não muda, evolui. Evolui por meio de sonhos – se é que podemos dizer que a natureza sonha – possíveis, passos possíveis.
Seria tão melhor para nossa saúde física e mental se recusássemos todos os convites que recebemos diariamente para sonharmos sonhos impossíveis. E começássemos a usar esse precioso tempo finalmente recuperado para olhar para o próximo passo possível. Isso talvez não nos alivie do sofrimento de nossa tristeza presente, nossa infelicidade momentânea. Mas pelo menos nos ajudaria a entender que ela é de fato momentânea, passageira. E que tudo passa. Tudo passa não porque projetamos um sonho grandioso, com o super poder de tornar qualquer desafio no presente muito mais fácil de ser enfrentado. Tudo passa porque a vida é assim mesmo, passageira. Passam-se as tristezas, assim como as alegrias. Passa tudo, inclusive os sonhos, os realizados e os não realizados.
Seria tão mais simples se pudéssemos aceitar essa condição, mais do que humana, natural que atinge a todos nós que estamos vivos neste planeta, do que criar essas narrativas que, ao anestesiar a dor, fazem o mesmo com a consciência.
Sonhos impossíveis nos levam a viver no tempo futuro, um lugar impossível de se viver, assim como o passado. Sonhos impossíveis enfraquecem nossa capacidade de se dar conta de onde de fato estamos, pra onde queremos ir e quais são os passos possíveis para caminhar.