Mate todas as suas redes digitais agora! Você está sendo manipulado. Suas emoções. Seus pensamentos. Suas decisões. Quanto mais você acessa suas redes, mais elas se tornam hábeis em fazer isso: controlar o que você sente, o que você pensa, o que você decide. Elas propagam propósitos nobres como “dar as pessoas o poder de construir uma comunidade e aproximar o mundo” (Facebook), “conectar profissionais do mundo todo, tornando-os mais produtivos e bem-sucedidos” (Linkedin), “fazer conexões com pessoas que veem o mundo de maneiras interessantes” (Instagram), enfim, sempre mais do mesmo, promessas de conexão sem fronteiras em nosso próprio benefício. Se não tivessem nada de fato a esconder, assumiriam que seu único propósito é nos manter o máximo de tempo possível conectados. Para saber tudo sobre nós e, depois, usar o que aprenderam para controlar o que sentimos, pensamos e decidimos.
Um publicitário tem uma crise de honestidade e resolve criar campanhas falando a verdade sobre os produtos dos clientes. O chefe acredita que ele enlouqueceu e o obriga a se internar para tratamento psiquiátrico. Na instituição, ele recruta outros pacientes para seguir criando campanhas que só falam a verdade e que acabam se revelando um sucesso. A história se passa em 1990, mais especificamente no filme Crazy People, e é, portanto, uma obra de ficção. A realidade ainda está mais para Mad Men, série que estreou em 2007 e que, retratando a década de 60, mostra um negócio formado em torno da vaidade e sem muitos escrúpulos para conquistar clientes e fama.
Muita coisa mudou de 1960 para cá. A publicidade agora possui em abundância algo que faltava à época: dados. Não é à toa que diversas agências digitais globais tenham sido adquiridas por gigantes da consultoria de negócios, especialistas na geração de dados qualificados por meio da tecnologia, como IBM, McKinsey, Deloitte e Accenture. A abundância de dados e criatividade se soma a nossa disponibilidade para contarmos tudo sobre nós e sermos abordados de maneira cada vez mais precisa, para que tenha nascido uma nova fórmula para vender produtos, serviços e ideias.
Mais recentemente, documentários como “Privacidade Raqueada” e “O Dilema das Redes” se propuseram a explicar esse fenômeno e nos alertar sobre os enormes riscos que corremos ao nos entregarmos sem limites a essa relação nem sempre clara entre nós, os anunciantes e as plataformas de rede que nos transformaram de consumidores em produtos.
Um dos nomes que têm ganho destaque nessa guerra contra as redes sociais é o do filósofo da computação Jaron Lanier, um dos entrevistados em “O Dilema das Redes”. Considerado o pai da realidade virtual e um dos críticos mais ferozes do Vale do Silício, Lanier coloca as redes sociais no mesmo nível das drogas. Em seu livro “Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais”, ele é claro em afirmar, sempre baseado em fatos e dados, que estamos perdendo nosso livre-arbítrio, nos tornando infelizes e nos afastando de nossa capacidade de empatia em um mundo onde as verdades são inventadas e a política virou algo impossível.
Como qualquer droga, as redes também têm seus benefícios. Elas nos viciam justamente porque entregam uma boa parte do que prometem. Podemos usá-las para nos conectar a pessoas fisicamente distantes, o que foi algo essencial para lidarmos com os efeitos psicológicos do isolamento durante a pandemia. Podemos usá-las para divulgar nossos próprios produtos e serviços, fazer negócios, celebrar conquistas e obter ajuda. Podemos usá-las para expor nossos pontos de vista e ideias de mundo, criando conversas significativas.
Podemos usar as redes sociais para uma infinidade de coisas. Enquanto elas nos usam. Essa é a barganha. No entanto, como ocorre com qualquer adição, as consequências para nós podem vir na forma de prejuízos a nossa saúde física e mental. Muitos estudos já relacionam o tempo de uso da internet com questões como depressão, transtornos alimentares, fobia social e suicídio.
Para um viciado, não adianta dizer para ele pegar leve. Não existe essa de só de vez em quando. Se é de vez em quando, talvez nem seja vício. Mas a questão é que é sempre ou, no mínimo, acima do aceitável.
Segundo a empresa britânica GlobalWebIndex, o Brasil é o segundo país que mais fica conectado em redes sociais. Em média, passamos 3 horas e 25 minutos por dia nas redes. Supondo um tempo médio de sono de oito horas diárias, isso significa que usamos 20% do nosso tempo em que estamos acordados conectados às redes sociais.
A regra para tratamento de adição é clara: afastar-se totalmente do objeto de seu vício, e não apenas reduzir o consumo. Não sei o que você pensa sobre isso, mas eu não estou pronto para matar minhas redes sociais. Por mais que os dados sobre os malefícios sejam claros. Como aquele fumante que compra a caixinha de cigarros com a imagem de uma pessoa doente e segue fumando. Talvez ele diga a si mesmo que irá parar um dia. Talvez ele simplesmente assuma que ainda não está pronto para parar e que precisa tanto do cigarro, que aceita correr os riscos de ingestão de quase 5 mil substâncias nocivas presentes na fumaça.
Acredito, porém, que exista um outro caminho. Pelo menos, inventei esse caminho para mim. Em certo sentido, ele é tão radical quanto abandonar de vez as redes sociais. Ele também exige que algo morra em você. Esse caminho alternativo pressupõe abandonar algo ainda mais poderoso em termos de adição: nossas verdades. As redes as buscam como o Santo Graal. Assim que elas identificam uma verdade em nós, tocam o sino para celebrar mais um dado relevante que poderão usar para nos manipular.
E se não fôssemos de verdade apegados a qualquer verdade? Se finalmente aceitássemos que, no mundo complexo, orgânico, dinâmico, volátil em que estamos inseridos como seres humanos, verdades são sempre transitórias e baseadas em interpretações pessoais?
Como isso poderia acontecer na prática?
Isso acontece na prática quando você não só aceita nas suas redes pessoas que pensam bem diferente de você como ativamente convida essas pessoas a exporem seus pontos de vista.
Isso acontece quando, mesmo discordando totalmente, você abre espaço para o contraditório.
Isso acontece quando você não reage ao que lhe parece um ataque com outro ataque, reconhecendo que o silêncio e a indiferença podem ser recursos muito mais eficazes.
Isso acontece quando você percebe na polarização não uma ameaça, mas uma oportunidade para escutar com mais profundidade as crenças e valores de outras pessoas, interessando-se genuinamente pelas histórias por trás da imagem superficial e reducionista oferecida inicialmente.
Isso acontece quando você curte coisas que não curte de verdade, mas resolve curtir como uma estratégia consciente para que mais postagens como essas apareçam para você, ampliando sua bolha o tempo todo.
Isso acontece quando você fica à vontade quando assume que se equivocou com algum julgamento apressado ou quando muda de ideia ou aprende algo diferente.
Isso acontece quando você reserva espaço em sua vida para meditar e refletir sobre seu próprio operar como ser humano nesse mundo dominado pela tecnologia.
No mínimo, iríamos dar um baita trabalho para a turma que cria os algoritmos e diz que só está mesmo fazendo o seu trabalho.