Torpedo certeiro

terça-feira, 09 novembro 2010, 15:26 | Tags: , , | 6 comentários
Postado por Fábio Betti 

Lá estava eu metido em mais uma reunião via Skype num fim de tarde, quando recebo um torpedo de minha mulher perguntando se eu estava trabalhando. O que estranhei foi o fato de eu estar na sala e ela no quarto, com apenas 15 metros nos separando, o que me levou a largar imediatamente o que estava fazendo e ir ao seu encontro.

O que faz uma pessoa mandar um torpedo para alguém que está praticamente ao seu lado? Ou um email? E o que eventualmente levaria uma pessoa a preferir se relacionar com outra apenas por canais digitais, evitando o telefone, o olho no olho, o contato físico?

Tudo isso me passou pela cabeça a partir do gesto simples que minha esposa usou para chamar minha atenção. Ela conseguiu o que queria: me tirar do lugar onde eu estava para ir ao seu encontro. E ela usou o recurso que, atualmente, mais tenho empregado para me comunicar: meu celular. Com isso, também me tirou do lugar do sujeito que não observa a si mesmo e que, por não conseguir se observar, não se percebe aprisionado no mundo das relações digitais – e incluo nesse mundo as pessoas e a tecnologia que usamos não apenas para nos conectarmos a elas, mas para operarmos nossas vidas.

A tecnologia nos fornece o shopping, o banco, a livraria, o cinema, a notícia, o trabalho e, não raras vezes, o amor. Mas que amor é esse que não se pode tocar com os dedos, nem sentir cheiros ou gostos? Amor sem beijos molhados, sem textura, sem a conexão do tempo real, impossível de ser atingida pelo delay da conexão digital. Falta sempre algo nesse amor mediado por algum tipo de gadget, esse amor que se apequena sem presença. Amor que pode terminar com um simples delete e que, dificilmente, irá inspirar romances avassaladores ou filmes épicos.

Quando, por meio do espelho oferecido por minha esposa, passo a me observar operando nesse outro espaço, me percebo muito mais no espaço da carência do que da abundância. Minha vida pessoal e profissional tem uma forte dependência digital, mas, se tivesse que escolher, troco-a inteira, de uma única vez, por um amor de verdade. E, a propósito, de vez em quando, minha casa é, sim, casa de ferreiro, só que o espeto é digital.

6 comentários para “Torpedo certeiro”

  • Às vezes me pergunto se o amor virtual não é uma espécie de amor platônico reinventado… ele não tem todos os atributos do platonismo, já que neste geralmente só uma parte está envolvida, mas é bem próximo no que diz respeito à idealização.
    Eu particularmente acredito que, como já disse um poeta, qualquer forma de amor vale a pena… principalmente se a intenção for verdadeira… e, sobretudo, se o sentimento for incontrolável…
    A interface digital é um começo de relação tão lícito quanto qualquer outro, né não?!
    Ademais, se nosso estilo de vida mudou tanto, por que não deixar que mudem também as formas de amar?

  • Fabio Betti disse:

    Também faço essa associação entre o amor virtual e o amor platônico, embora o primeiro costuma ter uma característica que o afasta do segundo: a reciprocidade. E claro que toda forma de amor vale a pena, o que, na minha visão, quer dizer que cada um tem uma forma de amar que lhe combina. A minha preferida é a presencial.

  • Bruno Marcelino Sales disse:

    Também concordo que a forma de amar pode ser diferente para cada pessoa, mas eu acredito também que nas várias formas de amar existe esse ponto em comum: o forte desejo de estar ao lado de quem se ama.
    Esses indivíduos que se amam e não podem expressar esse sentimento de forma completa, por estar longe, utilizam os meios virtuais. Mas em algum momento, acredito eu, que a falta dessa proximidade real, e não virtual, será sentida.

  • Maria terezinha disse:

    Amei esse texto. Realmente, Bruno, a necessidade da proximidade é real demais! O amor virtul existe para cobrir carências, palavras bonitas, desejos, pensamentos, admiração. No virtual fica fácil colocar aquilo que queria viver ,só que a vontade de ver tudo isso com os próprios olhos, se não é correspondida, torna-se muito doída! Fica um amor platônico e….. real, Fábio…..com grandes necessidades e frustrações.

  • Fábio Betti disse:

    Na minha visão, um dos maiores problemas do amor virtual é que você acaba refém da fantasia, não sabendo mais se o que você ama é o outro, a imagem que criou do outro ou o próprio amor…

  • Giovana Gomes disse:

    Tá parecendo alguém que eu conheço… de vez em quando provoco o namorado com torpedinhos de “boa noite” enviados diretamente da minha cama. Normalmente ele aparece gargalhando na porta do quarto e fica um pouco comigo. =P

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