A dor do pai. A dor do filho

sábado, 04 dezembro 2010, 00:08 | Tags: , , , , | 6 comentários
Postado por Fábio Betti 

Sempre ouvi dizer que a melhor forma de entender meu pai seria ter um filho. Pois bem, agora que tenho dois, não posso dizer que entendo verdadeiramente meu pai, mas creio que sinto o que ele sente, e um nome apropriado para esse sentimento é frustração.

Quando eu era pequeno, fazia um esforço danado para agradar a meu pai, para chamar-lhe a atenção. Uma de minhas maneiras preferidas era me machucar. Mas daí ganhei um irmãozinho e ele se mostrou muito mais hábil nessa atividade do que eu. Tive que me contentar em ser o melhor aluno, tarefa também das mais complexas, na medida em que, mesmo sem competir com meu irmão, cada vez mais insuperável na arte de levar tombos dos mais variados, eu tinha que enfrentar outros filhos de outros pais fazendo o mesmo que eu. E o titulo de melhor da classe não aceitava empates. Um dos melhores não era a mesma coisa que ser o melhor. Portanto, quando eu terminava o ano conquistando esse titulo, a sensação era a do ouro olímpico. A vontade era enquadrar o boletim e pendurá-lo na parece, mas, por pudor ou vaidade dissimulada, tudo o que fazia era levá-lo até os olhos do meu pai, à espera de um reconhecimento que nunca vinha. Bem, não vinha do jeito que eu queria, do jeito que eu imaginava que eu merecia ser reconhecido. Um abraço, um parabéns tímido e mais nada. Sem festa, sem fogos, sem desfile de campeão sendo carregado nos ombros – ombros, claro, do meu pai. Cresci acreditando que, para o meu pai, meu esforço nunca era o suficiente, os resultados que eu atingia nunca eram o suficiente. Cresci construindo a imagem do pai eternamente insatisfeito.

Agora é a vez dos meus filhos competirem entre si pelo meu amor. É curioso observar como cada um escolheu uma estratégia diferente para atingir esse objetivo. E o que tenho de comum com meu pai é que, pelo visto, eu também nunca estou satisfeito. Depois dos parabéns, tem sempre um “mas”. E depois do mas, encaixo alguma coisa que ainda falta. Uma nota melhor na escola, uma atitude melhor em casa, um desempenho melhor em quadra. O esporte é um capítulo à parte. Primeiro, porque meus filhos não praticam nenhum dos esportes que enchem de orgulho os olhos dos pais – pelo menos, não um pai brasileiro. Eles são atletas de badminton – um esporte jogado com uma raquete um pouco mais comprida e bem mais leve do que a de tênis, uma peteca no lugar da bola e uma rede mais baixa e mais curta do que a de vôlei. É assim que explico o que é badminton, quando conto do esporte praticado pelos meus filhos. E acrescento: esporte olímpico! Para um pai que cresceu competindo, o fato de os filhos também se tornarem competitivos, mesmo num esporte pouco conhecido, já é algo estupendo.

Não sei quantos pais insatisfeitos vieram antes de mim. Não convivi com meus avôs, falecidos antes de eu nascer. Minha única referência é meu pai. No entanto, é como se eu fosse o herdeiro de uma longa trajetória de pais que nunca se satisfazem o suficiente para colocar o filho entre os ombros e sair em desfile festivo gritando: este é meu filho, este é meu filho, é meu campeão, meu filho! Ok, já fiz isso, os apresentei orgulhoso como meus campeões, porque os dois se sagraram vencedores inúmeras vezes. Meus filhos já ganharam mais medalhas jogando badminton em dois anos do que eu praticando vários esportes durante toda a vida. E, mesmo assim, quando eles jogam mal, lá está o pai cobrador, fazendo pressão por mais – mais concentração, mais preparo, mais resultado. Lá estou eu, o pai que nunca está satisfeito, novamente em ação.

Cada vez que isso acontece, conecto-me a uma dor profunda, algo como uma enorme frustração, a frustração por ter falhado, por não ter sido bom o suficiente. E percebo, sem que seja necessário expressar uma única palavra, que meus filhos se conectam a essa mesma dor. Ela aparece nos seus olhos que não conseguem encarar os meus e nos lábios apertados, segurando um choro que irrompe para dentro e se espalha por todo o corpo, mas sem derramar uma única lágrima.

Nunca ouvi meu pai me mandando engolir o choro, como se contam de certos pais. E nunca disse isso a meus filhos. Mas, nessa hora, na hora em que não nos sentimos bons o suficiente, é como se uma voz nos ordenasse para sermos fortes, agüentarmos firmes e evitarmos a todo o custo revelarmos a dor que estamos sentindo. Não sei de onde vem essa voz, não a reconheço como a de alguém específico, mas ela é real, é como se ela sempre estivesse lá, no fundo do nosso peito, à espera de uma oportunidade para calar a voz do coração. Somos homens, ela nos diz. Somos guerreiros, ela nos lembra. Somos conquistadores que não se detêm por qualquer obstáculo e que, quando de repente se vêem frente a frente com o maior de seus medos, simplesmente se calam e seguem em frente.

Meu pai, eu, meus filhos. A dor de repente nos une. Estamos juntos e, mesmo num silêncio seco, nossos olhares conversam sobre o dia em que, finalmente, estaremos livres para sermos novamente irmãos para sempre.

6 comentários para “A dor do pai. A dor do filho”

  • Dagui disse:

    Esse post deixa qualquer pessoa sem palavras, é difícil demais admitir essa insegurança de pai e por fazer isso vc se torna (mais uma vez!)uma pessoa digna de admiração, não se cobre tanto,certeza que seus filhos, assim como tantos, sentem esse “falta um pouco mais” como sinal de amor e motivação pra continuar melhorando a cada dia…
    No futuro serão o que todos os filhos do mundo Desejam:orgulho e retrato do Pai! Abraçoss

  • Fabio Betti disse:

    Dagui, escrever para mim é sempre um ato libertador. Já pude me unir novamente ao meu filho e hoje estarei novamente com ele, torcendo para que ele possa fazer o seu melhor em quadra e pronto para acolhê-lo de ele precisar de um ombro amigo. Obrigado por estar por perto. Bjos

  • Como não poderia deixar de ser, meu comentário vai ser do contra. Eu, que nunca fui mãe, mas sou filha e irmã, confesso que nunca gostei de competir. Não pelo medo de perder, mas porque, além de achar um tremendo desperdício de energia a ser compartilhada, já me descobri, às vezes, dando o meu “pior” só para ver o outro vencer. E isso, estamiradamente, é uma vitória incrível. Bem, sou louca… não conto… mas queria compartilhar.

  • Fabio Betti disse:

    Sua visão é muito parecida a de minha mulher, que passa direto pela frustração e já está inteira no acolhimento. Acho que, desta vez, trouxe uma questão aqui que só mesmo um outro homem para entender – ou, pelo menos, sentir.

  • Raul Difânio disse:

    Por vezes precisamos, de alguém para nos dizer que temos uma ”voz” dentro de nós.
    Pretendo enaltecer todo o texto.
    Em especial a parte relacionada com a ”voz”.
    Essa voz é uma voz que nunca dorme.
    E que, se adormece, deve ser logo acordada, para não nos deixarmos levar pelo erro.
    Porque às vezes, quando relembro memórias do meu pai, envergonho-me, por ele me dizer que estava mal, sempre a dizer que estava incompleto. E eu perguntava: porque não me explicaste assim antes? para eu não errar… E Ele sempre dizia:
    Eu também não fui ensinado…
    Agora percebo o que isso significa. Obrigado.

  • Fabio Betti disse:

    Obrigado a você, Raul, por compartilhar um pouco de suas lembranças conosco. Abraços

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