Presença: caminho ou destino?

terça-feira, 22 fevereiro 2011, 13:59 | Tags: , , | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

Tudo quanto é guru e autor de auto-ajuda vive a repetir que o segredo da vida é estar presente – presente por inteiro, vivendo intensamente e percebendo cada detalhe do momento presente. Um diálogo com uma amiga, motivado por comentários feitos por ela a respeito do artigo “O que os homens querem das mulheres”, me levou a questionar se, afinal, esse tal estado de presença é um objetivo a alcançar ou é, de fato, um estado que se vive dentro das possibilidades de cada um.

“Meu filho, você precisa estudar para ser alguém quando crescer.”
“Primeiro o trabalho, depois o lazer.”
“Quando me aposentar, farei tudo o que desejar.”
“Os fins justificam os meios.”

Ao longo da vida, ouvimos repetidamente essas frases – e ouvimos tanto que, não apenas acabamos nós mesmos por repeti-las muitas e muitas vezes como, concretamente, as transformamos em atitudes e ações. Dessa forma, o que era apenas crença ganha a força de profecia. E, quando nos esforçamos o suficiente, realizamos qualquer profecia. “Não existe sucesso sem esforço.” Olha aí outra frase poderosa!

O que está por trás desse raciocínio é o pressuposto de que, se formos bons meninos e boas meninas, seremos recompensados ao final. Qualquer semelhança com o mito incutido pela igreja de conquista do paraíso não é mera coincidência. Assim, suportamos uma vida de privações à espera de nosso merecido tesouro. Mesmo que relatos de quem diz ter estado ou ter conversado com alguém do outro lado, de repente, ratifiquem algum tipo de imagem do paraíso, ainda assim continuará valendo a tese de que esta vida só se vive uma vez – é, portanto, um desperdício, para não dizer disparate, deixar para desfrutá-la apenas quando ela acaba.

Se esse raciocínio faz sentido, a presença se torna muito mais um estado continuamente mutante do que um ponto de chegada. A mim, ela soa como um permanente “dar-se conta” de como estou a cada instante e, a partir desse “dar-se conta”, escolher se quero ou não continuar no estado percebido. Neste sentido, na presença cabe tanto um amor imenso por tudo, quanto uma raiva mesquinha.

E é aqui que entra o diálogo com minha amiga. Pelo que entendi do que ela escreveu sobre o post “O que as mulheres querem”, o texto suscitou-lhe uma reflexão sobre as razões pelas quais eu teria elaborado meu raciocínio a partir de uma visão mais simplista e dualista. Mesmo concordando com ela, o fato é que não sei explicar as razões dessa alternância entre o simples e o complexo.

De vez em quando, por força de responder comentários postados por leitores, me vejo na necessidade de reler algum de meus textos e, confesso, me surpreendo quando me deparo com pensamentos e reflexões que não condizem com meu momento presente. Surpreendo-me porque, quando o releio, fica absolutamente claro que já não mais sou a mesma pessoa que o escreveu. Não raras vezes, até me espanto. E o espanto também nunca é o mesmo – porque, no exato instante em que o releio, posso estar num momento de maior transcendência e julgar o texto como reducionista e até mesmo banal ou, de forma contrária, imerso na dualidade, olho com desdém para algum texto que tenha sido escrito em um momento reflexivo e de maior abertura e inclusão.

Cerca de um ano e meio atrás, vivi um conflito muito intenso e profundo com um amigo, alguém com quem compartilhei momentos cruciais da minha vida por mais de 10 anos. Esse conflito acabou sendo escalado a um nível que me levou a ultrapassar a mágoa, porém não para transcendê-la, mas para atingir um estado ainda maior de ódio: o desprezo. Desprezo este que eu desfiava em textos metafóricos neste blog, imaginando que, com isso, eu pudesse atingi-lo.

Muitos meses e duelos depois, reatamos e, mesmo sem que voltássemos a ser os velhos amigos de outrora, fomos capazes de nos respeitar e de nos escutar novamente. Numa das primeiras conversas que tivemos nesse período, ele revelou que um desses textos – “Dementadores” – deixou-o tão magoado a ponto de tomar a decisão de só falar comigo por meio de advogados. Lamentei por ter-lhe causado tamanho desconforto. No entanto, disse-lhe que o que o texto trazia era exatamente o que eu sentia naquele momento, e que aquele texto fazia parte de uma trajetória que, de um modo ou de outro, havia se direcionado ao momento mágico que estávamos vivendo, o da reconciliação, ou seja, se eu não tivesse expressado minha mágoa por meio dele, talvez a história tivesse sido outra. Em razão disso, perguntei se ele não se incomodaria que eu mantivesse o texto publicado, ao que ele concordou de imediato. Conto essa história, pois creio que ela representa muito bem o que penso de uma plataforma como um blog – um espaço para o exercício da expressão do momento presente, qualquer que seja ele – de amor intenso pela humanidade ou de raiva mesquinha e mundana.

Acredito que, de algum modo, quando expressamos de maneira autêntica nossa verdade, mesmo que transitória e, obviamente, sempre parcial, lançamos um convite a um outro que também o faça, nem que seja para ele ou ela mesma, o que, por si só, já é algo absolutamente revolucionário.

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