Palavras da discórdia

domingo, 27 fevereiro 2011, 20:15 | Tags: , , | 1 comentário
Postado por Fábio Betti 

Criamos a linguagem para poder nos comunicar uns com os outros. Mas desde os primeiros grunhidos e gravuras rupestres, também a utilizamos como arma. E, dependendo do contexto, uma palavra pode, de fato, ser empregada de maneira letal, seja para matar um inimigo ou para aniquilar um relacionamento.

O que é maturidade? A pergunta lançada por um leitor sobre o post “O paradoxo da auto-desqualificação pelo medo da rejeição” me intrigou – não porque eu não tenha minha própria definição de maturidade; justamente por isto: eu tenho um conceito do que seja maturidade e, provavelmente, ele deva ter o seu. E se não revelarmos um para o outro o que pensamos sobre o assunto, corremos o risco de não nos entendermos. Mesmo que haja uma definição de dicionário, não saímos por aí com o pai dos burros debaixo do braço nem existe dicionário perfeito o suficiente para cobrir a relação que cada pessoa constrói com as palavras, o que nos deveria levar ao cultivo permanente da dúvida: será que o outro entendeu o que quis dizer com maturidade?

Para explicar o que entende por maturidade, o leitor escreveu: “Acho que todos nós construímos nossa realidade, portanto criamos alguns conceitos sobre as coisas.” Concordo plenamente. “Eu, particularmente, já devo ter aplicado o termo maturidade em alguma situação. Entretanto, o que é, para o senso comum, ser ou ter maturidade?” E aí respondo simplesmente que o senso comum é o grande perigo. Porque, como escreveu Humberto Mariotti no brilhante “As Paixões do Ego”, “o mundo em que vivemos é o que construímos a partir de nossas percepções. Por conseguinte, nosso mundo é a nossa visão de mundo. Se a realidade que percebemos depende da nossa estrutura – que é individual -, existem tantas realidades quantas pessoas percebedoras.”

O leitor traz então um dos contextos onde a palavra maturidade aparece em sua vida: “Eu já namoro há um bom tempo (4 anos) e, em nosso relacionamento, não diferente dos outros, há discussões, e sempre a questão de maturidade aparece no centro destas.“ Não sei de que maneira a palavra maturidade aparece nas discussões entre o leitor e sua namorada. No entanto, quando ele traz essa questão à tona, junto emerge meu próprio conceito sobre discussões: conflitos onde as palavras costumam ser lançadas como mísseis teleguiados. Será que ele ou ela acusou o outro de ser imaturo?

Recentemente, vivi uma situação onde uma única palavra teve um poder de fogo enorme, atingindo três pessoas de uma única vez.

Eu e minha esposa estávamos num dia de agenda cheia, quando, de repente, recebemos uma ligação de nosso filho mais novo, muito apreensivo com uma prova de inglês que ele faria naquele mesmo dia. Minha esposa lembrou-lhe que a prova não valeria nota, mas nada de ele se acalmar. Foi aí que surgiu a palavra “orientação”. Eu iria dar uma passada rápida em casa para pegar uns documentos e seguir em direção a um almoço de negócios, e minha esposa sugeriu que eu orientasse pessoalmente o nosso filho com relação à prova. Eu entendi que a orientação que me cabia limitava-se a reforçar o fato de a prova não valer nota, tentando tranquilizá-lo mais uma vez. Ela entendeu que eu daria uma olhada na matéria sobre a qual a prova seria feita, explicando como ele deveria estudá-la. E o garoto entendeu que eu iria ficar em casa estudando junto com ele. Resultado: fiz o que eu achava que deveria fazer, e meu filho e minha esposa ficaram putos comigo! A caminho de meu compromisso, levei uma bronca de ambos e não perdi a oportunidade de retrucar, esclarecendo que eu estava atrasado para um compromisso e, portanto, não havia como ter me comprometido com o que eles esperavam de mim.

Passado o calor da discussão, pudemos conversar sobre o que cada um entendeu por “orientação”, quando ficou claro que não havíamos conversado o suficiente para que esses entendimentos particulares pudessem se tornar claros para todos e, a partir desse ponto, construir um entendimento comum, um combinado entre nós. Na ausência desse entendimento comum, criamos expectativas mútuas ocultas, que, não atendidas, causaram mágoa e sofrimento.

A propósito, a definição que mais gosto de maturidade é a da aceitação, um estado onde simplesmente se aceita as coisas como são, incluindo as coisas que nem sabemos como são, onde se destacam as palavras, que, para habitarem mais do que nossas próprias cabeças, precisam ser polinizadas e transformadas pelas palavras alheias.

Um comentário para “Palavras da discórdia”

  • Fabio Betti disse:

    Paula, acho que o caminho é aprendermos a nos darmos conta desses padrões destrutivos em nossa vida. Comigo, o aprendizado surge quando observo os sinais de meu corpo. Ele me dá o alarme e me convida para parar para pensar, refletir antes de agir.

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