O mesmo escudo que defende o golpe também impede o abraço

segunda-feira, 04 abril 2011, 20:36 | Tags: , , , , | 2 comentários
Postado por Fábio Betti 

Um amigo abandonou um curso que estávamos fazendo juntos alegando que já havia conseguido o que queria. Ele se referia a conhecimento. Me peguei pensando por qual motivo eu não seguia o mesmo caminho. Sentia que já havia absorvido teoria suficiente, mas alguma coisa me prendia àquele espaço. E não era a possibilidade de aprender mais, pelo menos, não no sentido clássico como nossa cultura define conhecimento. Naquele espaço, como nos espaços amorosos de minha infância, mais do que técnicas ou teorias, eu aprendia o valor das pessoas em minha vida.

Quando você olha para seu passado, do que você se lembra? Da escola, por exemplo, você carrega lembranças das matérias que aprendeu ou das pessoas com quem conviveu? Dos Natais que passou com a família, você se recorda dos presentes que ganhou ou das pessoas que estavam lá, junto com você, fazendo parte de sua vida?

Claro que cada um tem sua história e, dependendo de como a viveu, acessar a memória pode ser uma experiência dolorosa. Mas, qualquer que seja essa viagem, as pessoas sempre terão muito mais importância do que as coisas ou os lugares. Isso é facilmente explicável pela biologia: somos bichos sociais. Não vivemos sozinhos, embora sejamos livres para escolher o que quisermos. Somos tão poderosos que podemos, até, escolher o contrário do que reza nossa natureza. E, muitas vezes, é o que fazemos. Precisamos do outro para viver, mas, desconfiados, nos afastamos. Amedrontados com esse outro ser, a quem não se pode conhecer totalmente e, portanto, controlar, nos escondemos em trincheiras inexpugnáveis. Nos protegemos de eventuais ataques, mas também nos fechamos para qualquer carícia. O mesmo escudo que defende o golpe também impede o abraço. Na dúvida, abdicamos do amor em nome da segurança.

Não estou falando nada de que não tenha experimentado em minha própria pele. Perdi as contas das vezes em que me coloquei na defensiva. “O inferno são os outros”, aprendi com Sartre e com tantos outros, que deram um jeito de fazer de minha vida um inferno. No entanto, os que me feriram me ensinaram algo muito mais valioso do que lutar. Aprendi com eles que a melhor arma não é o ataque, nem muito menos a defesa, mas o tempo. Porque se hoje um se afasta, amanhã outro me abraça. “Guardar rancor é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra”, já dizia Shakeaspeare. Uma vez perguntaram ao Dalai Lama se ele nunca tinha raiva, ao que ele respondeu: “Tenho muita, mas muita raiva mesmo. Só que ela passa rapidinho”.

Com o tempo, tudo flui nesse quadro que, de tão grande e misterioso, torna qualquer coisa efêmera. Mas as pessoas que amamos, estas ficam – sejam ao nosso lado, sejam dentro da gente.

Pessoas nunca são triviais, porque pessoas geram mundos. E quando nos reconhecemos como parte de uma mesma jornada, onde todos respeitam o ritmo e o jeito de cada um caminhar e cada um se preocupa com as necessidades do todo, ou seja, onde fazemos parte de uma comunidade que amamos e que nos ama, quem precisa de defesa?

2 comentários para “O mesmo escudo que defende o golpe também impede o abraço”

  • Pat disse:

    É Fábio, num mundo onde tudo é objeto de consumo, coisas vão e vêm, mas pessoas ficam sempre. Nossa hisória é composta das pessoas com quem um dia nos relacionamos, todas serão sempre incluídas, mesmo as que nos desafiaram, nos despertaram sentimentos que não foram de amor. A beleza é reconhecer que precisamos cada vez mais de amor, não de aprovação, de perdão, não de separação. Parabéns pelo texto. bjs

  • Fabio Betti disse:

    Pois é, Pat, e talvez o que mais nos incomode é que não temos qualquer controle sobre os sentimentos das pessoas – elas podem ou não nos amar, elas podem ou não nos aceitar. Por outro lado, temos um campo aparentemente infinito de escolhas pela frente – escolhas que podemos fazer a partir de nós mesmos. Podemos, por exemplo, nos mantermos abertos ao outro, independentemente de sermos ou não correspondidos. Manter-se aberto ao encontro é uma escolha possível e – creio eu – necessária para quem já experimentou o que é amar e ser amado e sabe, portanto, que proteger-se com um escudo impede que esse fluxo aconteça. Bjos

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