Têm dias que acordo com uma estranha alegria. Achando tudo estranhamente diferente. Até mesmo o usualmente doloroso ato de fazer a barba ganha uma nova cor com o sorriso nos lábios. Na verdade, tudo parece ganhar um brilho diferente. O banho deliciosamente quente, a roupa escolhida com carinho, o aroma gelado da pasta de dente, o pão de queijo comido de pé na padaria.

É curioso, mas embora essas coisas já façam parte da rotina, têm dias que é como se elas fossem únicas. Tudo parece ter um sabor especial.

Sabe aquela música que nos emociona sem que a gente faça a menor idéia do que diz a letra? Ou aquele aperto no coração que, de vez em quando, bate quando cruzamos nosso olhar com o de uma criança de rua, cuja história de vida provavelmente jamais saberemos ao certo?

Pois é, são coisas difíceis de explicar.

Tenho um amigo que procura enquadrar tudo dentro de explicações lógicas, científicas. Provavelmente, ele diria que essas coisas são fruto de meu inconsciente, de minha imaginação e, portanto, não existem na realidade. Ou seja, aquilo que não se explica não existe. Simples. Esta é a famosa teoria do não-sentir, do não-sofrer. Aquilo que ignoro ou não me dá prazer, eu anulo, elimino, apago de minha memória e, portanto, deixa de existir.

O problema é que têm muitas coisas prazerosas que também não compreendemos, e essa teoria, como qualquer teoria, é meio burra e não consegue distinguir direito entre o mundo desconhecido do prazer e o mundo desconhecido da dor. Se não conheço, tenho medo e pronto!

Outro dia ouvi de um outro amigo – puxa, parece que tenho um monte deles! – uma frase que ficou batendo em minha cabeça como um disco riscado: “Ter medo é se afastar de Deus!” Uau! Eu diria que esta é uma puta de uma frase! “Ter medo é se afastar de Deus!” A exclamação é por minha conta. Se você for pensar, a lógica da frase é difícil de contestar até mesmo por quem gosta de colocar as coisas dentro de quadrados. Isso porque fica difícil acreditar em Deus e, ao mesmo tempo, ter medo. É mais ou menos se disséssemos assim: “Olha, tenho fé em Deus, mas, por via das dúvidas…” Ou crê ou duvida. Não tem jeito!

Pensando agora no lado contrário, me vem a frase: “Quem acredita em Deus não tem medo!” A frase também vale exclamação, você na acha? Afinal, se acreditamos na existência de Deus e, portanto, na possibilidade de que existe este grande maestro da vida, do que é que vamos temer? Quem se conecta a Deus não teme nada. E não é porque sabe que a mão da providência está lá para dar uma força que precisa colocar sua vida em risco. Pelo contrário, conectar-se a Deus é querer proteger a vida mais do que qualquer outra coisa.

Nossa capacidade de cuidarmos de nossa própria vida nos aproxima de Deus. Sabe por que? Porque isso nos torna deuses. Você já parou para pensar que temos esse poder? O poder de fazer o que bem quisermos de nossas vidas? Pois é, e curiosamente muitos de nós acabamos não fazendo isso direito.

Uma definição clássica de alegria que, inclusive, consta do dicionário é que ela é o estado manifestado por quem sente prazer de viver. Para senti-la, portanto, basta estar vivo.

Para você ver, comecei este texto falando em uma “estranha alegria” e agora percebo que estranho mesmo é não senti-la.