Paixões avatares

sexta-feira, 03 junho 2011, 20:26 | Tags: , , , , , , , , , | 4 comentários
Postado por Fábio Betti 

“Amor Líquido” é uma expressão cunhada pelo sociólogo Zygmunt Balman para definir a fragilidade dos laços humanos nesses tempos onde as relações são cada vez mais flexíveis, gerando níveis de insegurança sempre maiores. Segundo Balman, a prioridade a relacionamentos em redes, as quais podem ser tecidas ou desmanchadas com igual facilidade – e frequentemente sem que isso envolva nenhum contato além do virtual -, faz com que não saibamos mais manter laços a longo prazo. Segundo eu mesmo, vivemos uma era perigosa onde avatares estão substituindo seres de carne, osso, alma e verdade.

Você deve se lembrar dos estranhos seres azulados criados pelo diretor James Cameron e que fizeram do filme Avatar um sucesso estrondoso de público. Talvez, você também já tenha ouvido falar dos avatares da tradição hindu, considerados uma manifestação corporal de um ser imortal, por vezes, até do ser supremo. Mas, certamente, você conhece os avatares que povoam as redes sociais, personagens criados pelas pessoas para representarem como elas gostariam de ser. Eu mesmo criei um avatar para mim no Twitter – @_wakinglife, homenagem ao filme de mesmo nome que me fez rever a ideia que eu tinha dos sonhos. Usamos os avatares para nos reconstruirmos, enaltecendo as características que desejamos e eliminando as demais.

Uma amiga confessou que não conversa com avatares, só com gente de verdade. Disse a ela que, apesar do avatar “wakinglife”, sou gente de verdade, falo o que penso, me emociono, interajo. Mas me pergunto o que é gente de verdade num mundo onde você pode escolher o que e como quer ser, onde você decide quem é ou não é seu amigo e o que você irá revelar – ou esconder – de você. Seja por trás ou não de personagens, no fundo todos somos avatares nesse mundo onde o contato corpo a corpo foi substituído pela interface digital.

Avatares podem ser muito sedutores. Avatares são apaixonantes. Não têm olheiras ou mau hálito, não roncam, nem arrotam ou sofrem de flatulência. Nunca se constrangem, porque sempre têm o expediente de editarem-se.

Não precisamos inventar desculpas para evitá-los. Basta fingir que estamos “offline”. E se os julgarmos desagradáveis, podemos bloqueá-los ou deletá-los num clique. Aliás, basta apertar um botão para revelar que aprovamos algo que ele ou ela disse – o botão “curti” do FaceBook ou “RT” do Twitter.

A interação é digital, não requer tempo ou esforço. No entanto, avatares são estéreis. Não procriam nem amamentam. Seu mundo é dos elétrons e das imagens, não dos fluidos e dos cheiros. A língua do avatar é a da fala, não do beijo. O abraço é um conjunto de caracteres. Sentimentos são símbolos escolhidos em um menu. Que dor cabe num “emoticon”? E a paixão, como expressá-la sem a participação do corpo? Paixões avatares desmancham-se no ar.

Sou um esperançoso inveterado por natureza. Acredito que essa desmaterialização do amor levará à construção de um novo amor, um amor sólido, profundo, durável e fundamentado necessariamente na corporalidade. No entanto, embora nascido numa época onde o tempo era vivido predominantemente por meio de relações presenciais, o hoje se impõe como um desafio ainda insuperável, onde as relações líquidas ditam um jogo mais pautado pela dor do que pelo amor, pelo sofrimento do que pelo prazer, pela separação e pelo individualismo do que pela união e pela integração.

Fecho este texto, mas não a reflexão, com mais uma provocação de Balman: “O que aprendemos com a amarga experiência é que essa situação de ter sido abandonado à própria sorte, sem ter com quem contar quando necessário, quem nos console e nos dê a mão, é terrível e assustadora, mas nunca se está mais só e abandonado do que quando se luta para ter a certeza de que agora existe de fato alguém com quem se pode contar, amanhã e depois, para fazer tudo isso se – quando – a roda da fortuna começar a girar em outra direção.” Estou, como nunca, cuidando de minha roda da fortuna. Espero sinceramente que você esteja fazendo o mesmo.

4 comentários para “Paixões avatares”

  • Vou me permitir, pelo menos uma vez, ver o lado bom do amor líquido: em pleno fechamento de uma edição de meu zine, mais de 30 avatares (em menos de duas horas) se mostraram nada estéreis e me ajudaram a construir uma revista inteira. O que muitas vezes corremos o risco de ver apenas como arrobas desfilando por uma timeline virtual mostrou sua face menos visível: são pessoas de verdade (que talvez nunca se relacionassem não fosse a internet) fazendo o que o ser humano deve buscar fazer o tempo todo — conectando-se, interagindo, criando laços (frágeis e fortes)… enfim, estabelecendo uma nova maneira de travar contato que, creio eu, veio para ficar. Talvez não substitua as relações que mantemos na corporalidade (nem pretendem, são de outra ordem), mas vai enriquecer nosso leque de laços… e com uma vantagem tremenda: links virtuais não têm limites… elevamos nossas sinapses cerebrais ao nível interpessoal. Eu, particularmente, acho isso lindo.

  • Fabio Betti disse:

    Os avatares já me trouxeram muitas alegrias e surgiram como que por milagre quando eu mais precisava de ajuda. Mas digo e repito: não vivo sem a corporalidade e troco milhões de tuites de carinho por um único abraço de carne e alma.

  • Deb. disse:

    Pois é… também tenho uma visão dividida em relação a isso. Concordo demais com o que você diz sobre a criação de personagems, desprovidos de falhas humanas, editáveis, aperfeiçoados. Idealizações virtuais.

    Mas por outro lado existe toda a amplitude que esse mundinho virtual nos traz. Volta e meia penso em como já tive mil ajudas, conhecimentos e conversas interessantes, boas trocas com pessoas de quem só conheço o avatar. Talvez ao vivo a história fosse outra, sim… mas em alguns casos me dá é uma dorzinha de pensar que gostaria muito que a pessoa por trás do avatar me fosse mais próxima, estivesse presente na minha vida real também, como amigo. Mas a distância não permite…

  • flavio sandro disse:

    Concordo plenamente com este artigo, bom já encontrei minha cara metade
    viagra

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