Pílula vermelha ou azul?

terça-feira, 19 julho 2011, 08:58 | Tags: , , , | 2 comentários
Postado por Fábio Betti 

Há uma cena antológica no primeiro filme da trilogia Matrix que sempre me faz pensar um bocado. Estou falando do momento em que Morpheus – o deus dos sonhos, na mitologia grega – encontra-se com Neo para lhe explicar que o mundo no qual vive não é o mundo real e lhe dá a possibilidade de escolher entre tomar a pílula azul ou a vermelha. A pílula vemelha pemitiria a Neo conhecer, finalmente, a complexa verdade por detrás de seu mundo de aparências. Já a pílula azul o levaria de volta à sua vidinha ilusória e superficial. Pois não é que muitas vezes eu faria de tudo para tomar a pílula azul?

Como apagar da consciência uma descoberta importante sobre si mesmo, sobre o outro ou sobre o mundo em que se vive? Mas você pode se perguntar: por que alguém iria querer regredir? Para ficar no exemplo do filme Matrix, o personagem Neo nem de longe levava uma vida tão instável e perigosa quanto a que passou a ter depois que aceitou o convite de Morpheus e caiu com tudo na dura realidade onde os humanos eram meros escravos de um poderoso sistema de computadores. Será que ele não era mais feliz em seu mundo ilusório?

O problema é que, uma vez que a gente se dá conta sobre algo revelador, dificilmente se volta atrás. Einstein, um conhecido estraga prazeres, dizia que “a mente que se abre a uma ideia jamais voltará a seu tamanho original.” Como a lobotomia foi proibida, resta-nos conviver com a nova consciência adquirida, o que não é nada mal se ela nos conduz a uma vida de mais bem estar do que antes. Mas e se tudo aquilo em que acreditávamos se desmorona de repente, como um estúpido castelo de areia construído perto da arrebentação?

Em meu trabalho como consultor, sempre me preocupo em não sair por aí “abrindo consciências”. Meus amigos dizem que ninguém é capaz de abrir a consciência de outra pessoa, mas eu penso diferente. Acho que, quando abrimos a nossa, fazemos um convite para que outro o faça. Sei que não posso ser responsável pelo que o outro fizer a partir daí, mas será que o outro dará conta do que irá descobrir? Sempre me faço essa pergunta e, de alguma forma, me sinto um pouco responsável por isso, afinal, por que é que eu tinha que cutucar alguém que estava sossegadamente instalado em sua pacata vidinha?

Outro dia, sonhei que estava numa loja de roupas, onde todos os produtos eram exatamente os que eu mais adorava. Cada camisa, cada sapato, cada calça parecia ter sido criada especialmente para mim. Por isso, eu comprava tudo o que aparecia na minha frente, sem nem perguntar o preço e praticamente brigava com outros consumidores quando me deparava com peças únicas. Até que saquei que estava sonhando e, mesmo assim, prossegui consumindo loucamente, tamanho era o prazer em adquirir os produtos que eu mais gostava, mesmo sabendo que eu jamais iria utilizá-los de verdade. E aí eu pergunto: qual mundo é real, o do sonho ou esse outro, que a gente assume como o mundo verdadeiro?

Em busca de uma resposta que me conforte, costumo mergulhar na obra de Fernando Pessoa, talvez o maior de todos os sonhadores, e, claro, sempre saio mais confuso do que entrei. E de todos, meu poema preferido é “Sou o fantasma de um rei”.

Ele escreve assim:

“Sou o fantasma de um rei
Que sem cessar percorre
As salas de um palácio abandonado.
Minha história não sei
Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre
A ideia de que tive algum passado.
Eu não sei o que sou
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um deus está relendo.”

2 comentários para “Pílula vermelha ou azul?”

  • patricia disse:

    Pois é, Fábio, percebi outra coisa depois de ler isso: a nostalgia pode não ser apenas saudade de um passado, mas saudade de um momento onde não tínhamos consciência de algo que temos hoje, o que torna nossa realidade atual ao mesmo tempo mais profunda, completa, inteira, mas muito mais difícil de engolir.
    bjs!

  • Fabio Betti disse:

    É, Patrícia, consciência sempre costuma vir junto com responsabilidade, e tem horas que tudo o que a gente queria era não precisar ser responsável por absolutamente nada ou ninguém. Bjos

Comentário

You must be logged in to post a comment.