Dor ou prazer?

quarta-feira, 31 agosto 2011, 19:47 | Tags: , , , , , , | 1 comentário
Postado por Fábio Betti 

Já investiguei muito minha sombra, pesquisei com afinco debaixo do tapete, cavouquei muita dor antiga, seja do coração, seja dor de alma. Aprendi um bocado sobre mim nessa jornada, mas também me vi muitas vezes apegado às dores que encontrei pelo caminho. De repente, elas eram a justificativa que eu buscava para não mudar o que precisava ser mudado.

Mesmo que o resultado potencial seja positivo, mudar é complicado. Diante dos mistérios do novo, até dor antiga parece mais confortável. Alguns anos atrás, depois de uma longa caminhada, me vi carregando uma pesada mochila, cheia de dores e feridas, das quais eu parecia não querer abrir mão. Mesmo que esse convívio me trouxesse muito sofrimento, elas faziam tanto parte de mim que deixá-las para trás parecia o mesmo que deixar-me para trás. Fui buscar ajuda na terapia. Acabei encontrando Dimas, um experiente psicólogo que, logo na primeira consulta, disparou: “vejo prazer e dor como vasos comunicantes. Você pode aumentar o prazer de viver focalizando diretamente sua dor ou diminuir sua dor focalizando diretamente o prazer de viver. Qual dos dois caminhos você prefere?” Essas palavras ressoaram em mim como as trombetas do paraíso.

Aos poucos, fui entendendo a proposta dele que, de vez em quando, me dava outros diretos no queixo como: “conheço bem o seu tipo: vai se matar de trabalhar, para, quando o stress causar uma doença séria, poder morrer de verdade no Einstein!”. Quando contei-lhe do medo de que um período sabático pudesse me tornar alguém sem força para encarar desafios, ele me acalmou: “pode ficar tranquilo que, se você se esforçar muito, mas se esforçar realmente para valer, não conseguirá virar vagabundo, no mínimo, pelas próximas três encarnações.” Profecia realizada! Depois de apenas três meses de parada, eu já estava de novo cheio de energia, pegando duro no batente, construindo uma nova carreira. Só que eu já não tinha mais a meta de morrer em nenhum hospital bacana. Trabalhar para viver substituiu o antigo viver para trabalhar. Ganhei algum tempo para cultivar momentos de ócio, esse lugar onde as novas ideias costumam frequentar, e para estar mais presente para minha família e amigos. Mas o maior ensinamento que Dimas me deixou foi o tal caminho do prazer.

A cada dia que passa, percebo que uma postura mais apreciativa me faz viver melhor comigo mesmo e com as pessoas a minha volta. E isso não quer dizer que eu tenha me transformado numa Pollyanna. Tanto é que resolvi submeter esse modo de encarar a vida aos olhos da Biologia-Cultural, curso em que sou orientado pelo biólogo Humberto Maturana e pela epistemóloga Ximena Dávila. A experiência é simples: registro tudo o que percebo de bem estar em meu viver – o prazer de chupar uma balinha diferente, de receber o sorriso de um pedestre quando paro meu carro antes da faixa para que ele atravesse a rua, de um papo sem agenda com um amigo querido, de jogar bola numa tarde ensolarada com meus filhos, de conseguir ajudar um cliente a resolver seu problema.

Toda a experiência que distingo de bem estar vai sendo guardada no que estou chamando de Diário do Bem-Estar. Passados 60 dias dessa experiência, observo que, além de aperfeiçoar minha lente apreciativa, que serve para olhar tanto para fora quanto para dentro, criando mais harmonia em minha vida, em nenhum momento evitei ou ignorei as situações de mal estar, dores ou feridas. Só que elas simplesmente parecem não mais ser um fim em si mesmas, mas apenas parte do verdadeiro caminho de qualquer ser vivo, o caminho da auto-preservação, onde, necessariamente, é imprescindível que se conserve o bem estar para que ele continue existindo.

Um comentário para “Dor ou prazer?”

  • Clarissa disse:

    Passamos tantos anos em nossas vidas carregando nossos fantasmas e dores que não nos reconhecemos sem eles. É, Fábio, acho tem razão mesmo. Mudar exige extrema coragem e sair da “zona de conforto”, mesmo que essa zona seja muito desconfortável é um ato algo visceral. Dói ficar e dói mudar. Penso que quando decidimos pela dor da mudança decidimos pela vida. Morrer é fácil. Viver requer atrevimento e ousadia.
    Beijo

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