Igrejas do conhecimento

domingo, 06 novembro 2011, 21:41 | Tags: , , , , , , , , , , , | 5 comentários
Postado por Fábio Betti 


Fui convidado para ser padrinho de crisma de um amigo de meu filho. Senti-me verdadeiramente honrado pelo convite e aceitei-o de imediato, a despeito de estar afastado da igreja católica há um bom tempo. Mas foi inevitável pensar em todas as igrejas que frequentei e as que ainda frequento e na enorme tentação de pregar suas “verdades”.

Ninguém tem o direito de sair por aí abrindo consciências, alerta uma colega do curso de formação em Biologia-Cultural ministrado pelo biólogo Humberto Maturana em conjunto com a epistemóloga Ximena Dávila. O comentário refere-se a nossa vontade de usar o que aprendemos a serviço de outras pessoas e dos riscos de nos tornamos uma espécie perigosa de invasores de mentes: os pregadores do conhecimento. Eu mesmo já me vi diversas vezes alardeando expressões e teorias que ouvi dos dois professores, embora um dos propósitos do curso seja conscientizar-se de que cada um constrói o mundo a partir de suas próprias percepções, o que inviabiliza qualquer tentativa de se pregar uma verdade universal. A sedução do conhecimento é tão grande que até mesmo esse simples aprendizado é esquecido.

Cada novo curso que faço parece ter sua própria igreja, suas próprias verdades e seus profetas e seguidores. Foi assim com a igreja católica, onde fui batizado, confirmado por meio da primeira eucaristia, crismado e onde realizei meu casamento. Foi também assim com a religião espírita, que frequentei durante tanto tempo, com o Pathwork, um processo de auto-conhecimento do qual fui um praticante aplicado por mais de 10 anos, assim como foi igualmente com a faculdade de Jornalismo, tão cheia de certos e errados, com a própria Biologia-Cultural e, mais recentemente, com a Antroposofia. Todas são escolas de conhecimento que, por se acreditarem certas, acabam invariavelmente atuando como igrejas – um prato cheio para pregadores cheios de entusiasmo como eu.

Muitas vezes, sem que me dê conta, realmente saio por aí abrindo consciências com a “palavra da verdade” – a verdade do momento, diga-se de passagem, na medida em que minha biografia mostra que sou um pregador extremamente volúvel. E, quando penso sobre isso, como faço agora, percebo que não consigo pertencer a nenhuma corrente de pensamento justamente porque a grande maioria é exclusivista. Vejo a verdade em muitos lugares. Assim como ela não pertence a nenhuma igreja, também não consigo pertencer. Por outro lado, como cada igreja parece ter um pedaço da verdade, todas me empolgam a ponto de me transformarem em pregador. Parece até que criei minha própria igreja, erigida com tijolos que recolhi de todas as outras que frequentei. Será que estou cometendo o mesmo pecado que elas?

5 comentários para “Igrejas do conhecimento”

  • acho que só erramos quando buscamos (ou pregamos) uma verdade absoluta, fixa, inabalável… talvez devêssemos buscar a verdade que flui como um rio, a verdade que é um devir e acompanha a essência da natureza: evoluir.

  • Yara Barros disse:

    Sempre achei que se vc tem acesso a algum tipo de conhecimento, meio que tem a obrigação de dividir…por isso aceito dar palestras, mini-cursos e etc e nunca pensei em cobrar por isso. Não acho que vc esteja se colocando como “pregador”….pq não acho que realmente qdo vc divide o que aprendeu nos diferentes cursos/caminhos que experimentou, vc está tentando “abrir consciências” ou converter pessoas….se vc está entusiasmado com algo que descobriu, acho super…legítimo….que vc divida….como vc mesmo diz, vc é responsável pelo que diz, mas não pela forma como as pessoas escutam. Disponibilizar uma ideia, um conhecimento, é uma coisa que dá prazer….como as pessoas recebem isso na vida delas, não é problema seu…. Acho que isso é meio parecido com pensamentos, correntes filosóficas….e sobre ser um “pregador volúvel”….já imaginou que pobre sua vida se a passasse toda com as mesmas crenças? Mesmas ideias, sem evoluir, sem se abrir para outras possibilidades que mudassem o direcionamento dos seus pensamentos/ações/posturas? A “volubilidade” eu acho que é um sinal de evolução….de mente e coração abertos para o novo…da possibilidade de um olhar crítico sobre o que a gente sempre acreditou ser verdade assim que outra teoria interessante te é apresentada, né não? E quando a gente tenta dividir o que sabe, não acho que é uma tentativa de “doutrinação”….é um presente que vc deixa disponível….e cada um faz dele o uso que quiser….ou não…

  • Monica disse:

    A Yara (muito prazer!) acabou me poupando algum tempo! Penso assim… Alguém me disse uma vez: “sou responsável pelo que digo, mas não pelo q vc entende” ou algo parecido com”: “Fale o que quiser e eu cuidarei do que escutar…” É mais ou menos assim q penso. Isso não é abrir consciências, até porque nem os mestres têm esse poder. Este é um movimento que depende de cada um, é voluntário e pessoal… O que podemos é facilitar o processo se aquilo que compartilhamos alcançar uma outra pessoa… Qdo esse compartilhar é feito com amor, há uma troca generosa entre as partes que implica – necessariamente – na transformação e na ampliação da consciência de todos. Nossas “verdades” vào mudando a cada relação. Aho!

  • Fábio Betti disse:

    Meninas, vocês estão cobertas de razão, mas, se me permitem, falo das pessoas – e eu me incluo nesse grupo – que nem sempre se dão conta de suas “pregações”, tão apaixonadas estão por suas ideias. E quando isso ocorre, a tentativa de doutrinar é uma atração quase irresistível. Sim, o amor pode ser um bom caminho para evitar essa armadilha, mas, nesse caso, acho que melhor que ele é a consciência.

  • Clarissa disse:

    “Com os nossos princípios queremos tiranizar, justificar, honrar, insultar ou esconder os nossos hábitos – dois homens com os mesmos princípios querem, provavelmente, algo profundamente diverso.”

    (NIetzsche -Além do Bem e do Mal , Máximas e interlúdios, 77)

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