O que aprendi com meu tio

segunda-feira, 23 janeiro 2012, 14:59 | Tags: , , , , , , , , , , | 4 comentários
Postado por Fábio Betti 

Meu tio, José Oswaldo Victor Betti, faleceu na noite de 22 de janeiro, aos 77 anos, vítima de complicações decorrentes de um tumor no pâncreas. Fui informado da gravidade de seu estado poucas horas antes de seu falecimento. Ele residia em Vila Velha e, quando recebi a notícia, resignei-me com o fato de que já não havia mais tempo para prestar-lhe as últimas homenagens antes de seu corpo ser cremado. Pois bem, não apertei-lhe a mão nem abracei-lhe antes de sua passagem, não estive em seu velório, mas estou aqui lembrando-me dos momentos marcantes que passamos juntos e, apesar da dor da perda repentina, estou sim rindo por dentro das estripulias desse homem que sabia viver como poucos.

Não ousaria construir sua biografia antes de uma pesquisa cuidadosa, mas não posso deixar de registrar o que mais me chamou a atenção em nossos momentos juntos ou nas lembranças que me foram contadas, como o fato de ele ter sido um apaixonado pelo cinema em sua juventude, levando sua câmera super 8 para tudo quanto é canto. Chegou a tornar-se amigo próximo de Mazzaropi, a ponto de fazer uns bicos como dublé desse que é o mais famoso Jeca da história brasileira.

Quando pequeno, eu costumava passar os fins de semana na casa de minha avó. Se tio José estivesse por lá, era travessura na certa. Uma travessura clássica consistia em colocar talheres embaixo dos lençóis da cama da bisa, que, naquela época, já tinha mais de 80 anos. O susto era inevitável, assim como a bronca, que tio José tratava logo de amainar com carinhos e palavras doces. Único homem entre quatro filhos e nascido em berço italiano, dá para imaginar o sucesso que ele fazia entre as matronas da família.

Um tirador de sarro contumaz, mas não desses que usam da ironia para rebaixar os outros. Pelo contrário, tio José era dono de um humor quase infantil de tão pueril. Gostava de brincar com os outros simplesmente para provocar-lhes um sorriso, para mostrar-lhes que a vida era séria, mas não precisava ser severa. Brincar, portanto, não era apenas permitido, era obrigatório. E quem não entrava no espírito da coisa, ele tratava logo de amaciar, pedindo desculpas ou fazendo uma cara de quem não faz ideia do que acaba de ter feito. Por isso, só mesmo ele para se divertir ensinando meus filhos a datilografar numa, até então desconhecida para eles, jurássica máquina de escrever.

Nascido em São Paulo, era apaixonado pela praia, tendo morado no nordeste, no Rio e, em seus últimos anos, em Vila Velha. Mas também gostava de mato e chegou a ter um pequeno sítio na serra fluminense, onde cultivava coelhos e a amizade de um bicho preguiça que era tratado como um animal de estimação e que, portanto, provocou enorme sofrimento quando morreu vítima de uma doença pulmonar.

De tudo o que me lembro desse tio especial, irmão de minha mãe, o que me chamou mais a atenção especialmente nos últimos tempos é o prazer que ele tinha em comer. Não, não se tratava de comer em quantidade, mas em variedade, de experimentar novos temperos, novas receitas, algumas delas preparadas por ele mesmo, como o maravilhoso cordeiro com molho de especiarias e hortelã. E mesmo quando algumas delas não davam certo, como o molho de macarrão preparado com a água “suja” do próprio macarrão – que ideia foi essa, hein, tio? -, não se emendava. Se gostava do resultado, repetia a receita tantas fossem as vezes que quisesse degustá-la e simplesmente fechava os ouvidos para as críticas.

Aprendi com meu tio tudo isso e muitas outras coisas das quais não consigo me recordar nesse momento em que a dor de não tê-lo mais por perto ainda é maior do que minha fé em que ele esteja em um mundo melhor que este. Ele amava esse mundo e sabia como degustá-lo. Por isso, tenho certeza de que, se lhe fosse dado mais tempo, teria ficado por aqui experimentando novas receitas, reciclando travessuras e sorrindo para a vida simples que levava ao lado de sua companheira, de sua família e dos muitos amigos que fez ao longo da vida.

Mas, fazer o que? Paciência… Perder pessoas é a parte ruim do viver, mas é também algo com o qual não temos qualquer poder para mudar. A única coisa que nos cabe – e não é pouco, diga-se de passagem – é fazer com que a parte boa do viver seja tão boa, mas tão boa que, na hora em que a parte ruim inevitavelmente vier, a gente deixe nos rostos de quem ficou muito mais sorrisos do que lágrimas. Quem sabe assim, quando vier o choro de saudade, ele passe como uma chuva de verão.

4 comentários para “O que aprendi com meu tio”

  • Grande Fábio, um relato emocionante e fiel à personalidade desse homem que será sempre lembrado com muita saudade e muito carinho! Um homem que dedicou sua vida à gozação e à alegria! Com certeza quem o conheceu de perto, como eu tive a sorte de ter esse privilégio, sentirá a falta dessa grande e carismática personalidade…
    Hoje o céu está em festa, recebendo seu mais novo e ilustre integrante!
    Grande abraço, minhas condolências!

    Aqui meu pequeno depoimento:
    http://www.fotolog.com.br/matrancer/102792583

  • Clarissa disse:

    Pessoas que amamos nunca morrem. Continuam vivos através de nós, em nossas lembranças e corações. Sorte nossa que os temos,acho. Bela homenagem, Fábio. Bj

  • Juliana Chinnici Betti disse:

    Oiii Fábio,sou filha da Ana,sou neta do nosso querido Jose Oswaldo que partiu e nos deixou muitas lembranças,achei muito linda sua homenagem e sei que onde quer que ele esteja esta muito feliz,por saber que nos lembramos muito dele,e que ele nos faz muita falta.

    Um grande Beijo

    Juliana

  • Fabio Betti disse:

    Querida prima, que bom que esta homenagem chegou aos seus ouvidos. Tio José era realmente uma pessoa muito querida para mim e com quem tive o prazer de conviver por muitos anos, mesmo que com uma frequência menor do que gostaria. Espero que um dia a gente também possa se conhecer. Beijo grande!

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