Qual é o defeito que sustenta o seu edifício?

quarta-feira, 09 maio 2012, 20:05 | Tags: , , , , | 3 comentários
Postado por Fábio Betti 

O título deste post foi extraído da seguinte frase de Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Encaro as palavras da escritora não como mera metáfora literária – aliás, nada que venha de Clarice é só o que parece ser – , mas como um sério aviso aos que teimam sair por aí apontando o defeito dos outros como se estivessem prestando um serviço de utilidade pública. Aliás, quem pode afirmar que realmente sabe qual é o defeito que sustenta o seu próprio edifício?

Já vivenciei tantos processos de autoconhecimento que faria o mais interessado dos leitores deste blog correr imediatamente daqui caso resolvesse listá-los agora. Ouso apenas dizer que esse longo e intermitente mergulho me ajudou a aprender muito sobre mim e, em especial, sobre meus defeitos, imperfeições, sombras… enfim, o nome da coisa é o que menos importa. O que importa é que saber não significa necessariamente resolver, embora o ato de dar-se conta de um problema pode, sim, ser um passo importante para resolvê-lo – mas não necessariamente. Você pode conhecer muito sobre seus defeitos, mas, de tão focado neles, talvez não consiga viver sem eles.

Conheci, certa vez, um psiquiatra que acreditava que dor e prazer são vasos comunicantes. Ele me dizia: “Você pode diminuir sua dor focando-a e indo cada vez mais fundo em suas origens ou olhar para o prazer, com vistas a ampliá-lo. Qual dos dois caminhos você prefere?” De bate-pronto, é claro que ninguém escolheria o caminho da dor, mas, na prática, o que acontece? Parece que adoramos olhar para nossa dor, falar sobre nossa dor, abraçar nossa dor. Ela dá uma espécie de valor a nossa existência, como se justificássemos nossa missão de vida pelo grau de sofrimento – quanto mais sofrido, mais nobre a missão. Não é à toa que a imagem universal do Cristo seja um homem crucificado todo ensanguentado. O sofrimento pode ser irresistível… Em acidentes envolvendo veículos, levante a mão quem não dá aquela paradinha para descobrir alguma vítima deitada no asfalto.

Gosto da ideia de imaginar sombras ou qualquer outra força que denominemos de maligna como um bem fora de época ou de contexto. Quando olho para minhas próprias sombras, consigo de fato perceber que algumas foram essenciais para minha sobrevivência, mas hoje, defasadas no tempo, só atravancam minha vida. Assim, aquilo que é o mal hoje já foi o bem um dia. Reações emocionais impulsionadas pela descarga incontrolável de adrenalina já nos livraram de servir de jantar para leões, mas hoje nos impedem de ouvir críticas e julgamentos. Sentimo-nos atacados pelas palavras do outro e, como se ainda estivéssemos frente a frente com leões, fugimos ou, dependendo de nossa avaliação da fera, partimos para o ataque.

Criamos sombras para nos proteger de um mundo hostil, mas, quando a hostilidade cessa, nos esquecemos de apertar o botão de desliga. Camada por camada, vamos montando nossa cebola de defeitos ou – para usar a metáfora que eu e Clarice achamos mais apropriada – andar por andar, vamos construindo nosso prédio, de baixo para cima, sem parar, um andar apoiado no outro. Gostemos ou não, moramos nesse prédio, aprisionados por nossos próprios medos e, como avisa Clarice, “nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” Portanto, se por acaso você achar que já descobriu o seu defeito, desconfie. O problema pode estar bem mais embaixo.

3 comentários para “Qual é o defeito que sustenta o seu edifício?”

  • Paulo disse:

    Tentarei reconstruir brevemente um papo realizado sob uma bela lua cheia sobre o assunto em questão. Para mim o que ficou foi a imagem de um edifício alto e sombrio que, como peças de lego ou de um brinquedo educativo chamado torre, se retirarmos a peça errada, ela poderá promover a implosão do edifício e se retirarmos a peça “correta” o prédio continua de pé apesar de as vezes balançando. Balançar neste caso nos dar a chance de utilizarmos esse defeito a nosso favor ou não … Pode até ser possível arrumar os defeitos ou sombras de cima para baixo, um por vez ,sem riscos e tudo certinho mas isso é pouco provável e pode até mesmo ser um defeito escondido.
    O que mais importa para mim é o aprendizado e a integração desses defeitos em nosso eu melhorado e pouco a pouco seguimos em busca do crescimento e sempre de coração aberto damos espaço para outros andares que virão nos desafiar e ajudaria atrapalhar.
    Abração meu friend.

  • Fabio Betti disse:

    Obrigado, meu amigo, por recuperar parte de nossa conversa. Mas a impressão que tenho é que ficou faltando uns 90%…rsrs

  • Paulo disse:

    O final correto é:nos desafiar e ajudar ou atrapalhar.
    E Fábio, com certeza boa parte não foi relatada aqui e está guardadinha no coração ou escondida por alguma sombra em um dos andares.Apenas posso garantir que foi um dos grandes momentos vividos por mim naqueles dias de workshop.
    Alias aproveitando o assunto de sombras ou defeitos, muitos seriam os aprendizados de algumas pessoas, se prestassem mais atenção nas próprias reações e com ouvidos e coração atentos e abertos, se apercebessem que os julgamentos e ataques aos outros (e neste caso ao autor dos artigos) podem ser ótimas oportunidades para perceber em si mesmas um crescimento espiritual …
    Deixo claro que a intenção deste último comentário não é defender um amigo e sim uma humilde e simples oportunidade de promover um pensar e sentir mais elevados que podem gerar uma ação real de crescimento .
    Todos podemos melhorar sempre e apenas posso garantir que aqui temos um canal aberto

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