De docinho de coco a terrorista

quinta-feira, 24 maio 2012, 15:15 | Tags: , , , , , , , | 2 comentários
Postado por Fábio Betti 

Muitas pessoas dizem que sou amoroso, sensível, inteligente, simpático, educado, cuidadoso, entre outras qualidades que fazem meu ego inflar feito um balão. E não estou de sacanagem, não. É isso mesmo que elas falam. Com uma certa dificuldade de quem costuma se ruborizar quando recebe elogios, reconheço que, se é assim que as pessoas me veem, eu também devo ser isso. Mas onde há luz, não tem jeito, tem sombra, muita sombra…

Às vezes, brinco com minha mulher perguntando se não sou um docinho de coco. Será que preciso dizer qual é a resposta dela? Acho que ninguém nos conhece tanto quanto o companheiro que escolhemos para dividir um teto – claro, tem a mãe, mas mães costumam viver no mundo da fantasia quando o assunto são seus filhos. Façamos, no entanto, jus à fama de bonzinho: minha mulher também reconhece que sou um docinho de côco, mas nem sempre… nem sempre reconhece e, bem, nem sempre estou num momento assim docinho de coco.

Basta que eu sinta cheiro de injustiça no ar para me enrolar no xale da doida, como costumava dizer uma amiga baiana para descrever seus momentos de ira. E, como a injustiça está longe de ser um valor universal, não raras vezes sou eu o maior injusto. Depois que passa o acesso de fúria e consigo levar oxigênio de novo ao cérebro, me pergunto justamente sobre o que é que me provocou reação tão violenta. É CALARO que os motivos são variados, mas creio que consegui identificar um padrão que se repete em todos os eventos: chamo ele de “cultura do ou”. Ouço alguém dizer algo mais ou menos assim: “OU você pensa como eu OU não é meu amigo/não está certo/é ignorante/etc”. E aí o leão dentro de mim ruge como se não houvesse amanhã. Imagina o pega pra capar que vem na sequência! De docinho de côco, de repente, transformo-me em terrorista, o homem-bomba que não tem medo de nada e só tem olhos para seu objetivo: destruir as igrejas que se outorgam donas da verdade.

Não estou falando (só) de religião. Falo das escolas, empresas, enfim, de qualquer organização de pessoas que se reúna para definir o que é certo ou errado – um pequeno grupo de “iluminados” que se apropria do conhecimento, deturpando-o para defender seus próprios interesses, sejam financeiros ou de status. Nunca ouvi o Dalai Lama se vangloriar de seu caminho espiritual. Um yogui não se anuncia yogui, ele simplesmente é. E, ao ser, sabe tratar-se de uma escolha que é sua e só sua – uma escolha, portanto, que não deve ser imposta a ninguém. Quem se julga e, pior, quem propaga estar à frente em qualquer caminho, não merece o meu respeito. Considerar-se superior a qualquer outro é só mais um disfarce para camuflar a “cultura do ou”.

Apesar do paradoxo do que vou dizer agora, a única coisa que não tolero é a intolerância, a não aceitação de que vivemos não no universo, mas num multiverso. Cada um enxerga o mundo de uma forma absolutamente particular. Todos os ângulos são necessários para se enxergar o que quer que seja. Neste aspecto, acredito que, quanto mais pontos de vista conseguirmos aceitar como verdades, mais próximos, talvez, estaremos, de algo que se possa realmente chamar de verdade. A coerência do ponto está na visão panorâmica. Ou não.

2 comentários para “De docinho de coco a terrorista”

  • Gilceana Galerani disse:

    Fabio, sensacional. Só tenho medo desse paradoxo da intolerância contra a intolerância. A firmeza em torno de uma só ideia tb não ajuda a formar as controvérsias? O jeito radical do outro não nos obriga a pensar na opinião dele, o que pode levar ao caminho da tese – antitese? Sei lá… Elocubrações!

  • Fabio Betti disse:

    Pois é, Gil, esse paradoxo da intolerância contra a intolerância é um tremendo perigo. Só mostra que eu também tenho meu lado radical e inflexível…

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