E-mail sem respeito às normas de boas maneiras (por Lamara Bassoli)

sábado, 30 junho 2012, 18:06 | Tags: , , | 1 comentário
Postado por Fábio Betti 

Querido amigo,
Bateu a vontade, mas ignore sem pudor e delete. Espero que já tenha trocado de pele, para caber numa nova, mais elástica e confortável. E que já tenha conseguido delegar um pouco parte das funções extras e pressões aos domínios “ínferos”. Há que descer a eles de tempos em tempos, para impulsionar a ascensão. A metáfora “ofídica” tem o sentido do simbolismo energético, seu poder e renovação, e também de cura, especialmente a homeopática. E a da restauração da proporção adequada. Vá aí, meu caro, metamorfoseando, uma e outra vez a cada ciclo.

Como me disse a criança de 3 anos sentada na beira da cama: “Não sei porque tanto “fudunçu” (linguagear da babá baiana) com esse assunto de morrer! (tinha assistido à comoção que isto causava em gente grande)

Por que?

“É que morrer, é quenem” nascer ao contrário (tenta desvirar uma meia do avesso enquanto fala): dá trabalho, e muito medo, quenem nascer . Pensa que é fácil? Experimenta!”

Como é isso? Me conta…

E ela: ” Sempre igual mas um poco diferente (inflava muito as bochechas para falar o P e B). Igual assim: porque não vê a hora, mas na hora se muda de ideia e não qué mais, dá muito medo.”

Não vê a hora do que?

“Tanto “faiss” (sibilava); já não disse que é a mesma coisa?! Morrer é quenem nascer. Pronto” (Metendo o pé na meia desvirada e, saltando para o chão, dá as costas e sai)

A vontade que bateu foi visitar um amigo e assuntar: E se perguntássemos às crianças sobre as questões da vida? E se ousássemos perguntar-lhes o que esperam de nós, ditos “gente grande”? – em lugar de dizer ou dar a entender o que queremos, e como queremos que sejam. E se lhes perguntássemos, sem conceitos arrogantes como o mundo deveria ser, para que todos pudessem sentir-se bem? O que é aprender? Como podemos ajudar, ou pelo menos não atrapalhar tanto? Não perturbar e quiçá ajudar a conquistar as condições que precisam para que possam se educar e vai que nós também? Como lidar com a Natureza e também a nossa própria, a de bicho- gente? E bicho-bicho e os viventes . Como fazer perguntas que compreendam? Como não induzir respostas ouvindo naturalmente sem expectativa e julgamento (coisa que elas tem sintonia para captar ) que as afastaria de suas percepções mais vivas? Como calar as nossas respostas prontas e irrefletidas?

E mais: como ouvir para entender as suas respostas, com humildade e espanto e refletir sobre elas, sem cair no “criança diz cada coisa!”, “adolescente não escuta!”? Ou da análise e categorização de fases do desenvolvimento cognitivo, sexual …

Prestando atenção à desenvoltura com que nos desvelam os múltiplos níveis de realidade, e realidades múltiplas capazes de conviver nas contradições, muito antes de se habituarem a viver em conflito como nós. Como?

Contudo, reconheço, tenho uma suspeita, ou um pressuposto , de que, se de fato as ouvíssemos, temo que a luz da inocência nos cegaria, e os estragos da educação e contaminação por conceitos ” adult-errados” que lhes impingimos, nos esmagariam até o chão. Porém se as deixássemos falar, e compreendêssemos com o coração, este se iluminaria, e despertaria a criança divina que em seu recôndito dormia entorpecida pela falta de ar e luz, em nosso coração assustado.

Beijos,
Lamara Bassoli
São Paulo, 29 de junho de 2012

Um comentário para “E-mail sem respeito às normas de boas maneiras (por Lamara Bassoli)”

  • gizeli disse:

    Fabinho, não faço idéia de como abraçar as palavras da Lamara e abraçar a Lamara junto… E mais tu, que me trás estas coisas lindas justo no sábado (porque hoje é sábado…). Beijo, querido e obrigada… Cara impossível… sempre me tocando a alma…

Comentário

You must be logged in to post a comment.