Cartas inventadas para Clarice – perguntas que não se faz

segunda-feira, 02 julho 2012, 17:55 | Tags: , , | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

Pois é, Clarice, faz tempo que eu não te escrevo. Sabe como é que é, num momento estamos acordados, conscientes de nossa finitude e da janela de possibilidades que temos pela frente e que vai de viver até os 100 anos a morrer no próximo instante; no outro, nos entregamos às tarefas que nós mesmos inventamos ou, pelo menos, aceitamos como parte de nossa ânsia de dar significado ao nosso viver – um significado que nos pareça nobre, é claro! – e aí mergulhamos de novo na escuridão letárgica do não pensar, onde se administram altas doses de anestesia pela bagatela do não questionamento. Até que surge uma pergunta que desmorona todo o edifício…

“Você tem estado tão ocupado e, na maioria das vezes, em atividades que não geram dinheiro. É isso mesmo o que você quer?” A pergunta, acompanhada pelo conselho “talvez você devesse ‘monetizar’ esses esforços”, passou inicialmente batida – literalmente batida. Bateu na mente e acionou a resposta automática: “De um lado, eu trabalho voluntariamente, de outro, o universo se incumbe de me arrumar trabalhos que financiem este movimento.” De fato, é isso o que tem acontecido nos últimos anos. Aumento gradualmente o tempo dedicado a projetos que não me geram qualquer receita financeira – pelo contrário, além do meu tempo, algumas iniciativas também geram algum tipo de investimento monetário – e, de uma hora para outra, acaba aparecendo algum patrocinador indireto, na forma de um trabalho bem remunerado.

Venho convivendo com essa teoria de maneira tranquila até que surge a pergunta: “É isso mesmo o que você quer?” Depois que passa o efeito da resposta automática, fica um incômodo estranho, uma sensação de estômago pesado que me tira o apetite. Então, passo a questionar a validade da lei das compensações como teoria explicativa para a não “monetização” de uma parte considerável de meus esforços. Se eu estivesse mesmo confortável com essa teoria, uma simples pergunta não me deixaria tão atordoado. O problema é que não se trata de uma simples pergunta. Primeiro, que ela veio de um amigo que me conhece há décadas e com quem tenho trabalhado em projetos “monetizados”. Segundo, por que ela me leva a um padrão que repeti durante grande parte de minha carreira de empreendedor: o do sucesso atrelado à capacidade de gerar receita financeira. Posso afirmar que fui um vitorioso nesse modelo, ajudando, justamente à frente da função comercial, a transformar um pequeno negócio numa empresa respeitada em seu segmento. Meu trabalho era totalmente “monetizado”, e eu era bom nisso. De repente, será que perdi essa competência, tornando-me um fracassado como empreendedor? Olha aí mais uma pergunta que não se faz. Não se faz uma pergunta quando não se quer saber a resposta. A resposta a essa última pergunta pode ser: “Sim, Fábio, você perdeu a mão. Mergulhou tão fundo no outro lado que agora está boiando no oceano das iniciativas sociais, onde o dinheiro é visto quase como um pecado e as pessoas que estão nessa onda o fazem por amor, amor ao próximo, amor ao planeta.”

“Pensamento positivo cria pensamento negativo, simplesmente porque toda ação provoca sempre uma contra-ação”. Abro um parênteses para citar essa frase de Patrick Paul, doutor em medicina que há mais de 40 anos se dedica ao estudo dos sonhos e a relação entre psicologia e espiritualidade. Resolvi assistir a uma aula especial dele na Escola de Diálogo e você bem sabe, Clarice, que quem procura sempre acha – embora ambos saibamos que, de fato, a sensação de quem procura muito é que está cada vez mais perdido…

E cá me vejo transbordante de pensamentos positivos, doando meu tempo a inúmeras causas sociais, entre pessoas que se julgam superiores por estarem à frente de movimentos de transformação da sociedade. Cá me vejo tão superior entre os superiores me perguntando o tamanho de minha sombra. Deve ser enorme, temo, tantas são as iniciativas não “monetizadas” em que estou metido. Na outra ponta, me pergunto se ainda estou apegado ao velho padrão do dinheiro como único indicador de sucesso. A pontada no estômago nada mais seria do que o medo de não naufragar fora desse padrão. Para qualquer lado que dirijo meu olhar, ao invés de respostas, fico ainda mais cheio de dúvidas, o que me faz concluir, Clarice que certas perguntas realmente não se faz, de jeito algum.

Carinhosamente,
Fabio Betti – São Paulo, 01 de julho de 2012

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