Sou um desses consumidores que não leva desaforo para casa. Sei dos meus direitos e reclamo sempre que me sinto lesado. Prefiro o contato direto com a empresa, mas, se não me faço ouvir, parto para as redes sociais sem medo. Infelizmente, às vezes, é preciso gritar mais alto do que o outro para ser ouvido.
Um processo jurídico pode ser algo muito penoso. Tem empresa que usa os exaustivos trâmites judiciários como tática para levar o reclamente à desistência. Sou resiliente, meu ringue é o diálogo. O problema é que ele só acontece quando os dois lados se abrem para escutar um ao outro. Rubem Alves, no belíssimo texto “Escutatória”, lembra que todo mundo quer aprender a falar, mas ninguém quer aprender a ouvir. Eu ainda acredito que todo ser humano é dotado de um potente ouvido interno, só que atrofiado, por falta de uso. Por isso, insisto. O SAC envia uma resposta protocolar por email? No instante seguinte, estou ligando para a Ouvidoria.
Ouvidor era a designação dos magistrados que atuavam como uma espécie de corregedores nas colônias portuguesas. As terras sujeitas a corregedores eram chamadas “comarcas” ou “correições” e as sujeitas a ouvidores eram chamadas “ouvidorias”. No Brasil, usa-se o termo “ouvidor” para designar um profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa que tem a função de receber críticas, sugestões, reclamações e deve agir na defesa imparcial da comunidade. Em termos práticos, o significado de ouvidor é o mesmo que ombudsman, que é uma palavra sueca, criada em 1809, para criar o cargo de agente parlamentar de justiça, como forma de limitar os poderes do rei.
Essa descrição tão didática está lá no Wikipedia, para quem quiser ver ou ouvir. No entanto, minha experiência demonstra que as empresas estão transformando suas Ouvidorias num espaço muito mais de defesa de seus próprios interesses do que os do cliente – uma mera instância superior ao SAC. Erro crasso!
O mais recente episódio em que me ouvi não deixa nada a dever para as tragicômicas histórias que o ator Fábio Porchat dramatiza em vídeos que tem bombado no Youtube. Em resumo, num período de 20 dias, meu cartão de crédito teve sua senha bloqueada duas vezes, como “procedimento adotado pelo Banco que visa garantir a segurança e integridade de seus clientes.” Isso já me aconteceu outras vezes e entendo que as instituições financeiras precisem fazer isso para assegurar que elas – e não eu – não se prejudiquem em razão de uma fraude. O problema é que, em ambos os casos, descobri o bloqueio da pior forma possível: na boca do caixa de um supermercado. E como a Lei de Murphy não falha, nas duas ocasiões eu só estava com o cartão desse banco na carteira. Por que, maldição, ninguém do banco me contatou para informar sobre o bloqueio? Reclamante experiente, ligo direto para a Ouvidoria, mas descubro que, para ser ouvido na Ouvidoria, eu precisaria antes registrar a reclamação no SAC. É o que faço. Dois dias depois, recebo um email que traz a frase acima colocada em parênteses, mas não fala absolutamente nada a respeito de minha pergunta – e olha que levei intermináveis 25 minutos para registrar a queixa. Pelo menos, agora tenho um número de protocolo – de 8 dígitos! – e posso ligar para a Ouvidoria. A “ouvidora” identifica meu número de protocolo e… fala, fala, fala. Fala o que o impessoal email do SAC já dizia, e acrescenta apenas que eu deveria ter sido informado na ocasião do bloqueio e que a área responsável estava recebendo uma anotação. Lembro a ela que este mesmo problema já me havia acontecido dois anos atrás – e, na época, o idiota aqui resolveu dar um desconto para o banco e não registrou a reclamação, portanto, eu não tinha nenhum protocolo de 8 dígitos para provar minha historia. Como ela, representante do banco, poderia garantir que o problema não se repetiria? Silêncio. Finalmente. Mas, infelizmente, o silêncio se fez no momento em que eu mais queria ouvir algo como “nós vamos rever nossos processos internos para identificar o problema que acarretou esse transtorno e modificá-los de maneira a que ele não mais ocorra”. Tão simples quanto isso…
Fabio Barbosa, atual presidente do Grupo Abril e um líder que admiro desde a época em que estava à frente do Banco Real, dizia que o cliente que reclama é um dos maiores bens que uma empresa pode ter. Se ele reclama, é porque deseja continuar sendo cliente. Caso contrário, simplesmente, já teria ido embora. E o que ele reclama pode ser o que a empresa precisa para se tornar melhor. Então, a Ouvidoria que atua exclusivamente em defesa da empresa perde uma oportunidade de ouro para ajudar a organização a se perpetuar. Só que, quem se abre para ouvir, corre o risco de ter que se transformar. Transformar dá trabalho, é preciso repensar suas ideias de mundo, abdicar de velhas certezas, trocar lentes com as quais se habituou a ver a realidade. Para quem se acostumou a enxergar apenas o próprio umbigo e só tem olhos e ouvidos para o curto prazo, essa pode ser uma tarefa quase impossível.
Parabéns.
Na empresa que a gente ajuda a construir, ouvidor é todo mundo. Ao invés de Posso ajudar é quero ajudar. E tudo começa desde o presidente até o atendente. Nela alguém ajuda alguém que ajuda alguém que ajuda alguém… que ajuda o cliente…
Posso dizer que conheço bem o seu trabalho e sei que, nas empresas que você ajuda, isso tem muito menos chance de acontecer. Abs
Concordo principalmente com o argumento de que o cliente que reclama vem pra ajudar, fico inseguro quando não tenho nenhum retorno de meus clientes. O problema é que reclamar dá muito trabalho e toma muito tempo e para seguir trabalhando e botar a boca no trombone para todos os maltratos que passamos precisaremos de um clone ou secretário particular. Este ano passei os piores 100 dias de minha vida por conta do atendimento das corretoras Coelho da Fonseca e o departamento de crédito imobiliário do Banco Itau. A consulta e os remédios pra gastrite eu mesmo paguei !
Sem dúvida alguma, acredito que já há algum tempo, o poder da escuta tem sido alvo de interesse das empresas, especialmente quando se pensa nos direitos do consumidor. Isto significa que a escuta deve fazer parte do nosso dia a dia, pois vivemos em constante comunicação (verbal e não-verbal), onde ouvir o outro precisa transcender a simples habilidade de escutar sons. É a partir dela que o que as empresas oferecem pode ser melhorado. Do contrário, não se ouve…
No entanto, é preciso saber se as empresas estão preparadas para “ouvir”, pois isso nem sempre é uma tarefa tão simples ou fácil… é preciso coragem para digerir observações das mais variadas formas, que podem trazer à tona as limitações e problemas internos das empresas, assim como provocar uma profunda reflexão sobre a cultura institucional vigente…
Inspiradora determinação Fabio. As empresas que estão operando para servir as pessoas serão cada vez mais distinguidas daquelas que operam só pelo lucro dos seus acionistas. As vezes não é tão simples e fácil implementar a necessidade de um cliente mas seguramente ouvi-lo oferece um ponto de partida para mudanças significativas.
Dizem que sou exigente mas nao concordo; quero apenas que os contratos verbais ou nao sejam cumpridos. Mas tenho ficado cada vez mais chateado com o que vejo e principalmente com o tempo que perco com maus atendimentos. O problema é que o nivel dos serviços esta caindo a niveis assustadores, ouvidorias incluidas. Falta de treinamento, de compromisso e de auditoria de procedimentos talvez sejam os responsaveis. Alias, vou dar uma re olhada no meu pessoal…
Fabão, li com afinco e o estilete na mão. Abdiquei de reclamar, pelos tais 25 minutos que você relatou. Passei a ignorar os produtos e serviços. A empresa onde trabalho deposita o salário no Santander. É pigar lá e migrar para o Itaú no mesmo instante. Tudo por conta dá péssima gerente num atendimento sofrível. American Express, a mesma coisa. Virou Bradescão e trouxe junto a cultura. Cancelei uma parceria de mais de 20 anos. Como viajo bastante na América Latina, Visa e Master se deleitam com as despesas…Diferentemente de você, minha reclamação não melhorou serviço algum dos acima citados, haja vista a lista de péssimos serviços do Procom.
Não vou ao Japão ver o 2o. título mundial. Que tal um rango?
abs,
cacá