Depois que o fim do mundo não seguiu a data teoricamente prevista pelos maias, o que frustrou alguns arautos do apocalipse, mas deu lenha para muitos dias de piadinhas e trocadilhos nas redes sociais, chegou a nossa vez de conhecer o fim do mundo. Havíamos lido que a pousada ganhou o nome curioso pelo difícil acesso. Tudo o mais, só saberíamos mesmo vendo e vivendo.

Costa Dourada é a primeira praia baiana após cruzar a divisa com o Espírito Santo, o ponto de partida para a exploração daquela que é conhecida como Costa do Descobrimento e também como Costa das Baleias. Formada por uma extensa cordilheira de falésias que parecem pintadas à mão com a luz dourada que ganham no início da manhã, o celular só pega no alto de uma delas, ao lado da Barraca do Cláudio, um dos raros restaurantes da região. Aliás, há placas indicando a Barraca do Cláudio em praticamente todas as encruzilhadas que avistamos ao pecorrer os 37 km de uma empoeirada estrada de terra a partir da BR-101, acompanhados a maior parte do tempo por intermináveis florestas de eucalipto. Quanto à pousada, encontramos uma única placa que, por sinal, só descobrimos dois dias depois da chegada. Um amigo que conhecia a região deu a dica: fica pertinho da Barraca do Cláudio. Ficava mesmo, perto da Barraca e a apenas 50 metros da praia.

Seis quartos espaçosos e modestos o suficiente para abandonarmos até mesmo as havaianas, uma piscina de um lado e uma mesa de madeira rústica com algumas cadeiras de outro. Esta seria minha primeira descrição da Fim do Mundo. Mas ainda havia um largo terraço onde o café da manhã era servido. Bem, café da manhã é um reducionismo e tanto, quase que um sacrilégio frente às iguarias que saiam da cozinha de Manja (se pronuncia Mãnia), alemã que veio de Berlim com o marido Norbert para ter e criar quatro filhos: os gêmeos Leli (se pronuncia Lili) e Moritz, Lukas e Ema. Das mãos de Manja, saiam diariamente pães de todo o tipo quentinhos, geleias caseiras deliciosas e tortas doces de comer ajoelhado. Para comemorar seu aniversário , no dia 30 de dezembro, Manja nos proporcionou a experiência única de degustar a torta de cerejas trazidas da Alemanha. Confesso: comi três pedaços e ainda cooptei minha sogra para descobrir a receita de tal maravilha, mas sem sucesso. Manja contou que faz tudo sem receita, de cabeça. Faz fazendo. Não duvido.

À primeira vista, talvez não se perceba, mas na convivência com Manja e sua família vai se saboreando de modo discreto um mundo de magia que não se limita à cozinha. Após os afazeres matutinos, a família completa se dirige para o mar e faz uma festa impossível de não se notar. Numa noite, fomos à praia contemplar o nascimento da lua cheia e vimos chegar a tropa toda. Ema, a caçula, caiu no riachinho raso que desemboca no mar. A menina aproveitou o acidente para brincar na água, sendo seguida pelos três irmãos. Todos de roupa rolando no riozinho. Fiquei esperando alguma bronca de Manja ou Norbert, que pareciam observar a cena encantados. Surpreendi-me com a reação tranquila deles, mas me surpreendi ainda mais quando refelti sobre minha expectativa. Que condicionamentos eu criei para acreditar que uma criança precisa ser repreenida quando age como… uma criança?

As crianças são um capítulo à parte. Espontâneas, criativas, carinhosas, encantadoras. Na festa de Reveillon, após o jantar mais uma vez cheio de surpresas preparado por Manja com a preciosa ajuda de Norbert, as meninas nos brindaram com músicas cantadas em alemão misturado com palavras inventadas. Vozes angelicais que, literalmente, nos encantaram a todos. Tanto é que, depois que seguimos viagem para Prado e para a igualmente paradisíaca Ponta de Corumbau, os meninos insistiam em que déssemos uma passadinha no fim do mundo no caminho de volta a São Paulo. Eles, assim como nós, que vivenciamos uma experiência inesquecível de felicidade no fim do mundo, queríamos sorvê-la até a última gota. Infelizmente, a pousada não dispunha mais de quartos para o período. Fim do mundo de novo, só no ano que vem.