Bastam os debates sobre qualquer tema se inflamarem para que os que não defendam determinada opinião serem chamados de coxinhas. É assim que alguns amigos petistas costumam chamar os que não são petistas. Coxinha também é a pessoa sem consciência ambiental, que insiste em andar de carro, ao invés de se arriscar a morrer atropelado de bicicleta. Coxinha, aliás, é quem não concorda com os novos corredores exclusivos de ônibus instalados nas vias mais problemáticas da capital paulista, mesmo que, na maior parte do tempo, nenhum ônibus passe por eles. Coxinha é o que não vai pra rua protestar, mesmo que quem o faça nem saiba porque está fazendo. Coxinha é quem fica contra o aumento escorchante do IPTU, quem não mora na periferia, quem não torce para determinado time, quem se veste de determinada maneira, quem tem um certo sotaque. A palavra coxinha vem sendo empregada de maneira tão indiscriminada, que já está mais do que hora de resgatar seu real valor.
Quando meu irmão era garoto, ganhou o apelido de coxinha. Até hoje, não se sabe exatamente se o apelido veio pelo fato de, na época, ele ser gordinho e ter coxinhas salientes ou porque adorava uma coxinha, o salgadinho. Outra versão parte justamente de nosso sobrenome por parte de pai, Salgado. Salgado, salgadinho, coxinha. Simples assim. Hoje ele não é mais gordinho. Pelo contrário, com 44 anos, tem um corpo invejável para sua idade, resultado, possivelmente, da prática diária do surf desde que se mudou para a Califórnia há mais de 10 anos. Alguém poderá dizer: “Pessoas que vivem na Califórnia e surfam todos os dias só podem ser coxinhas!” Ao inclui-lo nessa categoria, no entanto, terá excluído tudo o mais, toda sua história de vida e, especialmente, todos os sacrifícios, tudo aquilo que ele viveu – e, claro, ainda vive – para conseguir realizar seu sonho de pegar as ondas perfeitas de San Diego.
Num passado não tão remoto, quando coxinha era só um salgadinho ou a forma carinhosa de se referir ao fêmur, utilizavam-se muitos outros nomes para categorizar pessoas. Por exemplo, quando estudava jornalismo na PUC, havia os de esquerda e os de direita. Nós, os de esquerda, éramos, claro, as pessoas legais, as pessoas do bem. Os de direita seriam os cozinhas, as pessoas do mal. Um pouco antes disso, empregava-se a palavra negra para classificar a pessoa com pele mais escura numa espécie de sub-raça. Hoje algumas pessoas ainda a usam para designar bandidos, como se a cor da pele definisse o criminoso.
Bem antes disso, os gregos criaram a palavra bárbaro, que significa literalmente “quem não é grego” e passaram a utilizá-las para se referir a uma pessoa tida como não-civilizada, inculta, rude, grosseira. Afinal, só os gregos consideravam-se civilizados, cultos, educados, sensíveis. Bárbaro também é, figurativamente, usada para se referir individualmente a uma pessoa bruta, cruel, belicosa e insensível. Essa historia não é bárbara? Prefiro muito mais esse outro significado, o de algo muito legal.
Aliás, acho coxinhas bárbaras! Meu irmão certamente ainda as aprecia, embora eu acredite que em San Diego não seja tão fácil encontrar uma que seja realmente bárbara. Meu sogro, falecido há poucos anos, também achava. Meus filhos seguiram o mesmo caminho. Mesmo que elas não seja, vá lá, muito saudáveis, todos na família amamos coxinhas. Sempre que descobrimos uma premiada, corremos para experimentá-la. É o caso das já consagradas coxinhas do Veloso, bar paulista localizado na Vila Mariana. Ou das ainda desconhecidas coxinhas da Espiga Dourada, padaria à beira da Rodovia Bungiro Nakao. E, para a nossa alegria, há um sem número de receitas para o preparo de coxinhas – das clássicas, com recheio de frango, massa cremosa e casca sequinha, frita em óleo bem quente, às que incluem catupiry ou que embalam a própria coxa da galinha inteira. Por isso, se até um simples salgadinho não é igual a outro, por que ainda tem gente que insiste em chamar pessoas tão distintas e que mal conhece de coxinha? A propósito, se elas continuarem a dividir o mundo entre coxinhas e pessoas legais, não tenho dúvida: ficarei com as coxinhas!