Discutindo a relação com a morte

sábado, 03 maio 2008, 17:53 | | Nenhum comentário
Postado por Fábio Betti 

Um Cavaleiro volta para sua terra natal após as Cruzadas ao mesmo tempo em que a Peste Negra está varrendo o país. Quando se aproxima de casa, a Morte lhe aparece e diz que chegou a hora dele. O Cavaleiro então desafia a Morte para uma partida de xadrez cujo prêmio final será a sua vida. Durante o jogo, o homem também busca respostas sobre a vida, a morte e existência de Deus. 

No filme, o personagem do cavaleiro encara a morte de frente e, mesmo que o desfecho do jogo já seja conhecido por ambos antes mesmo de ele ser iniciado, usa de todas as armas possíveis para adiar o derradeiro encontro com a derrota.

Na vida, jogamos o mesmo xadrez, aguardando pelo mesmo e único resultado possível. A diferença é que preferimos jogar de olhos vendados, movendo nossos peões, bispos, cavalos e torres no escuro e, portanto, a esmo. Insistimos em não reconhecer nosso adversário, jogando a partida como se ele não existisse.

Inconscientes dos passos da morte, no entanto, nos nutrimos da ilusão de nos pensarmos imortais. E vivemos como imortais, imortalizando a todos que amamos e queremos por perto. Mas nós, como nossos amigos, bem como nossos inimigos, estamos condenados ao xeque-mate. Quando de repente o movimento fatal se aproxima de alguém de nossa convivência ou admiração, nos chocamos com a visão da morte. Nos assustamos com sua realidade tão palpável e tão próxima. Queremos vê-la como uma entidade separada de nós, distante e inalcançável. Mas ela está aqui, neste momento, enquanto escrevo e você lê estas linhas que também um dia irão se perder no lago escuro do esquecimento.

A morte está aqui porque ela é parte da vida. Como vasos que se comunicam, enquanto um esvazia, o outro enche. O vaso que enche é o vaso que não queremos ver. Caminhamos para a frente, mas mantemos nossos olhos voltados para trás. O paradoxo é que, ao fazermos isso, nos anestesiamos para o que vale à pena de fato: o tapete vermelho e reluzente que se desenrola sob nossos pés, a vida pulsante do presente, a poderosa fonte de energia que flui de um vaso para o outro.

É preciso caminhar de olhos abertos, nos apropriando desse duelo como algo natural e positivo, posto que a morta está sempre a nos lembrar da importância de viver completamente cada instante, de não desperdiçar nenhum prazer, de sentir todos os sabores e aromas, de tocar todas as texturas e admirar todas as cores.

Nesse sentido, a morte é nosso grande referencial, nossa maior mestra. Sem a existência do mal, não saberíamos reconhecer o bem. Sem escolhas erradas, nunca aprenderíamos as certas. Sem a morte, não saberíamos da importância da vida. Não é à toa que antigas sociedades secretas cultuavam – muitas ainda o fazem hoje em dia – o anjo negro da morte como verdadeiro mensageiro da vida,  esse agricultor que vai colhendo as flores no caminho e deixando sementes para outras que estão por vir. Vamos fazer como o cavaleiro de Bergman: convidemos a Morte para uma partida de xadrez. Quem sabe assim ganhemos um pouco mais de tempo…

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