No início de minha carreira, trabalhei numa empresa americana reconhecida como ótima empregadora. Tanto é que a maioria dos funcionários era composta por gente com muito tempo de casa. Até que um dia, pressionada pelos maus resultados, apareceu com um pacote para estimular demissões voluntárias. Os “cabeças brancas” foram os primeiros a se candidatar. Com 25, 30 anos de serviços prestados, diziam que iriam pegar a grana do pacote e curtir a vida. Que nada! Muitos entraram em depressão, subitamente conscientes da falta de sentido em suas vidas.
Nossos pais e avós entendiam o trabalho como um espaço onde você ganha o dinheiro para poder usufruir de sua vida quando não está trabalhando. Você colocava o paletó e se transformava num robozinho e, depois de executar suas tarefas, tirava o paletó e voltava à sua condição humana. A imagem é forte, mas o fato é que muita gente vivia nessa cultura visivelmente esquizofrênica. Suspeito que muita gente ainda viva, embora, para mim, isso possa ser tudo menos viver. Tanto é que não é de se espantar que meus amigos “cabeças brancas” sonhassem com a aposentadoria, esse tão esperado momento onde, finalmente, iriam viver tudo aquilo que haviam deixado de viver em nome dessa dicotomia trabalho-lazer, vida profissional-vida pessoal.
Se essa crença já me deixava os cabelos em pé quando eles ainda nem brancos eram, imagina o que provoca aos jovens de hoje! Ela os empurra para o outro extremo. Eles têm que se divertir no trabalho, têm que se apaixonar pelo trabalho, o trabalho tem que ser o espaço de realização de suas vidas! Se antes, então, o trabalho tinha que ser o espaço onde você se anulava para poder conquistar sua liberdade em algum lugar no futuro, agora o trabalho passou a ter que ser o espaço onde você conquista sua liberdade o tempo todo. Nesse novo espaço de exigência, não cabem sacrifícios ou frustrações. E você conhece algum trabalho onde, vez ou outra, isso ocorra? Sacrifícios e frustrações fazem parte da vida. Não aceitá-los é tão doentio quanto se apegar a eles. Continuamos impondo um modelo ditador sobre nossas vidas. O poder apenas mudou de mãos. Ao invés do sacrifício compulsório, o prazer compulsório.
Transfira esse modelo para as relações. Antes, observava-se como algo comum gente que engolia relacionamentos sem amor, em nome dos filhos ou para preservar uma determinada condição financeira. Hoje a separação é a via mais fácil e rápida. Sacrifícios? Jamais! Frustrações? Nunca! O casamento é uma instituição falida! Quantas vezes você não ouviu isso? Quantas vezes você não pensou isso?
Não acredito que meu trabalho seja minha única fonte de realização. Como não acredito que meu casamento também seja. Assim como acho perfeitamente normal que, às vezes, eu passe por sacrifícios e frustrações em meu trabalho e em meu casamento.
Apostar todas as fichas numa única possibilidade é criar uma expectativa impossível de ser cumprida a longo prazo. O universo é tão cheio de possibilidades, que, por mera questão estatística, já valeria muito a pena imaginar que a felicidade está diluída na força do conjunto e não numa obra isolada.